Pré-candidato, Bolsonaro tenta criar a ‘extrema direita light’

Pré-candidato à Presidência pelo PSC, o deputado federal de extrema direita Jair Messias Bolsonaro, 61, tenta ampliar seu apelo eleitoral em temas como economia e sistema penal, ainda que mantenha os arroubos que já lhe renderam cerca de 30 pedidos de cassação em 26 anos de mandatos na Câmara.

A defesa de um projeto desenvolvimentista para o país, herança da ditadura militar (1964-1985) —da qual ele é admirador— agora divide espaço com falas pró-mercado. Respostas legalistas substituem elogios passados ao autoritarismo.

À Folha na semana passada, Bolsonaro disse que "a mãe da liberdade é o livre mercado", que o país precisa de "mercado bilateral com o mundo todo" e que "golpe só em tatame de judô, que de vez em quando eu luto".

Em comparação, em 1999, o deputado afirmou ao programa "Câmera Aberta" que era "favorável à tortura" e chamou a democracia de "porcaria". Se fosse presidente do país, respondeu, não havia "a menor dúvida" de que fecharia o Congresso. "Daria golpe no mesmo dia", declarou, naquele ano.

À época, ao explicar ao apresentador Jô Soares por que havia defendido o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ele disse que "barbaridade é privatizar a Vale e as telecomunicações, entregar as nossas reservas petrolíferas ao capital externo".

Não significa que ele tenha se convertido totalmente. Uma das últimas mostras disso ocorreu durante a votação na Câmara do impeachment de Dilma Rousseff, em que homenageou o coronel Brilhante Ustra, que chefiou o DOI-Codi, órgão repressor da ditadura onde a presidente afastada foi torturada.

Além de uma cusparada do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que o acusou de tê-lo insultado após o seu voto, a OAB entrou com pedido de cassação dele.

'Grande erro'

Para o cientista político Fernando Schuler, o elogio a Ustra foi um "grande erro". "Se ele tem um marqueteiro, o cara deve ter rasgado o cabelo. Esse tipo de postura bizarra baixa o teto do Bolsonaro, porque muitas pessoas que gostariam de ter um conservadorismo razoável obviamente não concordam."

Para o professor, a mudança retórica faz sentido. "Todo candidato, quando cresce, tende ao centro", observa.

Questionado se adequaria o discurso à pré-candidatura, Bolsonaro desconversou. "Costumo dizer que não falo o que o povo quer. Sou o que o povo quer."

Ele desmarcou encontro com a reportagem depois de ter sido questionado sobre por que não tocaria em questões sobre homossexualidade, condição imposta para a realização da entrevista.

A tentativa de reformular o discurso ocorre em momento de ascensão do militar da reserva, nascido em Campinas (SP) e pai de cinco filhos.

Em 2014, ele foi reeleito para o sétimo mandato na Câmara com a maior votação do Rio de Janeiro (464 mil votos).

Está em quarto nas intenções de voto para presidente, com 8%, segundo pesquisa do Datafolha de abril –o dobro do registrado em dezembro. O apoio é duas vezes maior entre os mais escolarizados e com maior renda.

Sseu perfil no Facebook se popularizou, com os atuais 3,2 milhões de seguidores, ante os 3,1 milhões de Dilma.

A pressão popular pela saída dela, aliás, é um dos impulsores da ascensão dele. Entre o eleitorado conservador, Bolsonaro passa a representar a alternativa à elite política tradicional.

O deputado nega que tenha sido favorável a ditaduras, "muito menos" à tortura, embora, contraditoriamente, faça apologia do regime militar, em que a prática está fartamente documentada.

"Eu defendo a verdade sobre o período. Você tinha direito de ir e vir. Não tinha essa violência que está aí fora. E com essa de tortura que você fala aí, olha, é tática de qualquer pessoa aprisionada falar que foi maltratada para buscar compaixão."