A história do prefeito eleito de Delmiro Gouveia, no alto sertão alagoano, foge à regra da maioria dos políticos. Filho de agricultores pobres, Eraldo Joaquim Cordeiro (PSD) é padre da cidade desde 1989 e tem um histórico ligado a movimentos sociais do campo.
Aos 56 anos, padre Eraldo também tem um discurso diferente da maioria dos párocos, que –até por orientação da Igreja Católica– mantêm distância da política.
"A fé não pode estar desgarrada da vida concreta. Se você dissociar a fé da política, você acaba criando um povo alienado. Sempre trabalhei para ajudar as pastorais sociais, e daí surgiu essa luta. É uma necessidade! Não adianta estar só falando de Deus e, ao mesmo tempo, alimentar os coronéis e poderosos que perpetuam nesse sertão sem dar oportunidade do povo participar do projeto político", afirma.
Para chegar à vitória nas urnas em 2 de outubro, o pároco derrotou o deputado federal Givaldo Carimbão (PHS). Ressalte-se que o parlamentar contou ainda com o apoio do prefeito Lula Cabeleira (PMDB) –que termina neste mês seu quarto mandato (1997-2004/2008-2016) e é uma figura política importante do sertão alagoano. "Mas foi uma campanha civilizada, de debate, talvez o momento mais importante da vida de Delmiro", conta o padre.
Natural de Água Branca, também no sertão alagoano, Eraldo Joaquim Cordeiro deixou o semiárido para estudar teologia no Recife durante o período da ditadura militar.
Quando chegou do Recife para assumir a paróquia de Delmiro Gouveia, enfrentou uma das épocas mais complicadas da história alagoana, nos anos 1990, quando o Estado entrou em grave crise econômica e prosperava uma quadrilha formada por policiais –alguns de alta patente– conhecida como "gangue fardada". Nesse período, liderou a criação da CPT (Comissão Pastoral do Sertão), em 1992, e fortaleceu a luta por reforma agrária.
"Ajudei a criar também os bancos comunitários, sindicatos, MST, todos aqui no sertão. Essa sempre foi minha luta como pároco e agente pastoral", diz.
Como político, já foi filiado ao PT, ao PSB e estava no PCdoB até 2015, sigla pela qual seria candidato. Mas, em cima do prazo, percebeu que o partido tinha outro nome a lançar e se filiou ao PSD.
Segundo a prestação de contas oficial, o padre tem como bem apenas uma pequena propriedade na zona rural, onde vive, num valor estimado de R$ 90 mil.
Suspensão da batina
Para se eleger, fez coligações com PRB, PTN, PSDC, PT e PRP. Mais que isso, precisou também desafiar as ordens da Igreja. O bispo de Palmeira dos Índios, Dulcênio Fontes de Matos, baixou um decreto proibindo padres filiados a partidos de celebrarem atos. Resultado, como se filiou, acabou suspenso de ordem em 2012, quando concorreu à prefeitura.
"Com o bispo anterior [Fernando Iorio], fui candidato a deputado [estadual] e cheguei a exercer sem problema. Mas cada bispo tem sua política… Ele baixou um decreto que suspende padre filiado a partido político. É um decreto, tem que obedecer", diz, deixando transparecer uma certa discordância do ato.
Mesmo sem críticas diretas aos colegas religiosos, o padre deixa um recado. "Não adianta só falar, falar. Chega um momento que o caminho é disputar os espaços e ajudar que o povo seja o ator."
O padre nega o rótulo –muitas vezes dado a ele– de socialista. "Sou apaixonado pelo Evangelho. A gente precisa criar a fraternidade, que é muito mais revolucionária que um regime político. O meu comandante é Jesus, que ajudava os pobres a multiplicar o pão. E é essa nossa missão: fazer com que educação, saúde, geração de emprego e os canais de água sejam colocado a favor dos mais pobres", assegura.
Às vésperas de assumir o mandato, o prefeito eleito diz que os pobres serão prioridade. "Vou fazer um governo voltado para todos, que consiga trazer a periferia para o centro. Aqui é uma cidade bonita, mas que tem uma exclusão social, uma dívida social muito grande. Vai ser um governo para todos, mas voltado para os que têm mais necessidade", finaliza.