Com mais de 5,5 milhões de candidatos inscritos, a edição 2018 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começa neste domingo (4) mesmo dia da mudança do horário de verão. Isso fez o Ministério da Educação intensificar os alertas para evitar atrasos entre os candidatos.
Quem não entrar no local de provas até as 13h do horário de Brasília – por desatenção ou um imprevisto – vai perder a prova e o ano de estudos. Mas os internautas que se aproveitarem desse descuido para espalhar mensagens difamatórias pelas redes sociais, além de desrespeitarem os candidatos, correm o risco até de serem acionado judicialmente em um processo, segundo explicou ao G1 Luciene Regina Paulino Tognetta, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Em 2017, o estudante Pedro Cunha, de 21 anos, acabou virando parte involuntária da zombaria virtual. Aluno do Cursinho da Poli, em São Paulo, ele chegou a tempo em seu local de provas no Enem do ano passado, mas só quando estava lá percebeu que havia esquecido o RG em casa.
Ele acabou não conseguindo buscar o documento a tempo e, por isso, ficou de fora do exame.
A notícia, no seu caso, não viralizou, e apenas seus pais e colegas de cursinho ficaram sabendo de seu erro. O estudante, porém, disse que não escapou das broncas dos pais – que considera justas.
Cyberbullying x linchamento virtual
Luciene é coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), que reúne pesquisadores da Unesp e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela explica que a linha que separa uma brincadeira, piada ou meme de uma violência verbal provocada no ambiente virtual é tênue e, em geral, esse limite é dado pelo alvo da suposta brincadeira.
“Eu preciso entender que, de brincadeira, passa a ser desrespeito. Não tenho como saber se esse menino está achando graça também. Não sabe o quanto vai ser doído pra ele”, afirmou a especialista, que recomenda às pessoas tentarem se colocar no lugar da vítima para saber se gostariam de estar naquela situação.
Quando as agressões virtuais partem de colegas e conhecidos da vítima, os especialistas consideram isso uma prática de cyberbullying. Já quando as agressões vêm de desconhecidos, muitas vezes com perfis anônimos, o caso é conhecido como linchamento virtual. “Potencialmente é muito mais prejudicial porque não tenho como me defender de pessoas que desconheço.”
Segundo ela, como a vida virtual oferece o anonimato, as pessoas podem achar que estão em uma posição superior e que não serão pegas cometendo a agressão. “Mas é mentira, porque se houver processo, se houver rastreamento, todas as pessoas que compartilharam podem ser punidas também. E as pessoas não têm a dimensão do quanto isso é perigoso”, explicou ela.
“Hoje existem juízes que já aceitam como uma forma de crime, ou de participação no crime, só o ‘like’ dado. O fato de já dar um ‘like’ mostra que você reitera aquela forma de violência como algo que você acredita que seja a melhor forma, então você também participou do ato.”
Falha que não prejudica ninguém
A professora lembra que, apesar de os candidatos terem tido tempo de checar o local de provas e se preparar para chegarem pontualmente, todos os seres humanos estão fadados à falha, e uma prova com milhões de candidatos sempre estará sujeita a imprevistos.
Porém, quando um candidato se atrasa e perde a prova do Enem, o único prejudicado é ele mesmo.
“Ele não deve nada para ninguém, o problema foi só dele”, disse a professora. “A vergonha que tenho de mim e dos outros quando chego atrasada é uma vergonha potencialmente maior quando isso é exposto na internet.”
Por isso, segundo ela, o engajamento de desconhecidos que usam essa falha para julgá-lo, menosprezá-lo ou difamá-lo publicamente é especialmente cruel, e um indício de falta de empatia.
“A experiência de tirar sarro do outro é algo humano. Mas quem precisa rebaixar o outro é quem não tem na sua identidade valores centrais como respeito, justiça, solidariedade, a qualquer que seja o outro, conhecido ou não.”
No mundo virtual, Luciene diz que isso acaba sendo potencializado tanto pelo efeito do anonimato quanto pela grande audiência. “Se eu não tenho essa empatia na vida real, no mundo virtual isso é potencialmente regado, porque estou sob os olhares de muita gente.”
Resiliência e aprendizado
Foi dessa experiência ruim que Pedro aprendeu a ser resiliente. Ele conta que, por mais que tenha recebido várias broncas dos pais, eles não deixaram de apoiá-lo, o que foi essencial para que o estudante não desistisse do sonho de ser engenheiro agrônomo.
Por isso, Pedro retomou as aulas no cursinho neste ano e vai fazer o Enem novamente. Dessa vez, com atenção redobrada.
“Já estou com o RG certo e vou levar carteira de trabalho também, para não ter erro. O ‘kit Enem’ já está separado”, disse ele.
Em relação à mudança no horário de verão, Pedro mudou as configurações automáticas do relógio do celular, e já conferiu o tempo que irá levar de transporte público até o local de prova.”Vou chegar às 11h no domingo”, disse.
“O Enem é uma prova bem extensa e de resistência, tem que se dedicar. Se organizar com antecedência ajuda a amenizar a ansiedade também.”
Além de tirar um aprendizado para si, o jovem afirmou que não tem vergonha de contar para os amigos sobre o que aconteceu, e usa a sua experiência para aconselhar outros candidatos.
“Aprendi a lição e me planejei este ano, não vai ter erro”, contou ele.