Tido como um marco na TV brasileira, o humorístico “Tá no Ar” fez, em abril passado, exatamente o contrário do que seu nome indica: saiu do ar, depois de seis temporadas. Desde então, a presença de um de seus criadores e estrelas, Marcelo Adnet, se fez rara na tela da Globo.
A primeira reaparição foi com um quadro fixo no vespertino “Se Joga”, todas as quartas-feiras. Mas, nesta segunda (23), Adnet retorna ao horário nobre: ele é o âncora da retrospectiva satírica “A Gente Riu Assim”.
Em entrevista por telefone, Adnet faz uma retrospectiva dos seus últimos 12 meses não foi um período exatamente tranquilo para ele.
Ao longo da campanha eleitoral de 2018, o ator lançou vídeos em que imitava todos os candidatos à Presidência. A única paródia que suscitou reações negativas foi a de Jair Bolsonaro. Nas redes sociais, Adnet recebeu acusações de “mamar na lei Rouanet” e até ameaças de morte.
O caldo engrossou quando surgiu uma gravação em que Bolsonaro, à época hospitalizado depois de sofrer um atentado em Juiz de Fora, parecia xingar uma enfermeira. Era uma imitação da voz do então candidato, e Adnet foi imediatamente responsabilizado por ela. Em três dias, o áudio foi compartilhado mais de 280 mil vezes no Facebook.
“Eu não ligo quando criticam o meu trabalho”, afirma o humorista, que desmentiu pelo Twitter a autoria da gravação. “Mas isso aí foi longe demais.” O ator tomou providências legais, apoiado por advogados da TV Globo.
“Este é um governo absolutamente agressivo, que cria um clima horroroso no país. Tudo que é ligado à ciência e à arte está sendo demonizado. Artistas, cientistas e professores sofrem um bombardeio diário de mentiras, de assassinatos de reputações. O grupo que está no poder quer calar as vozes dissonantes.”
No próximo dia 21, estreia “Fora de Hora”, uma sátira aos telejornais desenvolvida por Adnet e por Marcius Melhem, diretor de humor da Globo. Adnet terá dois personagens fixos: um repórter esportivo e um outro, sensacionalista, que não conhece limites.
“Fora de Hora” terá quadros gravados “a quente”, às vésperas de ir ao ar, comentando o noticiário político. O humorista afirma que a Globo não impõe nenhum parâmetro.
“Em quase sete anos na casa, nunca ninguém me mandou pegar mais leve”, afirma Adnet. “Isto não quer dizer que eu tenha carta branca. Todos os textos têm que ser lidos e aprovados, mas a interferência é mínima”.
“Eu tive um certo receio quando apresentei a ideia do militante revoltado [personagem sem nome que criticava a Globo, presente em todas as temporadas do “Tá no Ar”, prossegue.
“Mas o Schroeder [Carlos Henrique Schroeder, diretor-geral da emissora] aprovou na hora. Neste ano até pensamos em transformar o militante num fanático da extrema-direita, mas o programa já estava no fim. Além disso, esse tipo se manifesta mais por escrito, nas redes sociais.”
Em fevereiro, Adnet terá dois sambas-enredo seus no Carnaval carioca. O de perfil mais alto é “O Conto do Vigário”, escrito com sete outros parceiros para a São Clemente, escola de samba do Humaitá o bairro da zona sul onde o ator passou boa parte da vida. O outro, sobre Beth Carvalho, também foi composto com vários parceiros e é para a Botafogo Samba Clube, uma escola pequena que existe há apenas dois anos.
Circulou o boato de que, no desfile da São Clemente, Adnet entraria fantasiado de Jair Bolsonaro, em cima de um carro alegórico. O humorista não confirma, mas tampouco descarta a ideia.
De qualquer forma, a letra do samba-enredo promete atrair a ira de seus detratores: “Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu/ E o país inteiro assim sambou/ Caiu na fake news”.