Imagine um mundo onde a pesquisa e o desenvolvimento de uma das mais fascinantes fronteiras da tecnologia – a inteligência artificial (IA) – estavam quase exclusivamente nas mãos de acadêmicos e organizações independentes, conduzindo a ciência adiante no espírito de descoberta e bem público. Essa era a realidade até cerca de uma década atrás, mas um profundo e decisivo movimento mudou o cenário da IA, conforme aponta um relatório recente da Universidade de Stanford.
Essa mudança não foi sutil: as empresas privadas, armadas com investimentos que somam bilhões, assumiram o comando, criando uma nova dinâmica no desenvolvimento da IA. O relatório de Stanford ilumina essa transição, mostrando que, enquanto em 2014 as universidades lideravam os avanços em IA, em 2022, empresas privadas lançaram 32 novos modelos de linguagem, em comparação com apenas três desenvolvidos pelo meio acadêmico. Mais do que isso, a corrida por recursos e a demanda por mão de obra especializada levaram a uma concentração de talentos em desenvolvedoras privadas, deixando para trás a pesquisa independente.
Fei-Fei Li, uma voz influente na área e muitas vezes referida como a “madrinha da IA”, levanta uma preocupação válida sobre essa nova realidade. Ela argumenta que enquanto a pesquisa em IA avança a passos largos sob a batuta das corporações, há um detrimento para estudos independentes que focam no bem comum, em vez do lucro. Isso fica evidente quando consideramos a distribuição da força de trabalho: atualmente, 70% dos especialistas em IA estão empregados no setor privado – um aumento significativo em comparação aos 21% de duas décadas atrás.
A disparidade não se limita apenas à força de trabalho. Uma comparação de recursos entre a Meta e o laboratório de Stanford dedicado à IA revela uma marcante diferença de escala, com a Meta buscando adquirir 350 mil chips especializados para potencializar seus modelos de IA, contra os 68 chips usados pelo laboratório acadêmico.
Essa centralização da pesquisa em IA nas mãos de poucas e poderosas empresas desenha um futuro onde os principais avanços e aplicativos da tecnologia podem ser principalmente orientados por objetivos comerciais. Embora isso possa impulsionar inovações de maneira eficaz, também gera preocupações sobre a diversidade e direção das pesquisas, bem como sobre quem tem acesso a essas tecnologias avançadas.
O impacto dessa dinâmica se estende além das fronteiras do desenvolvimento tecnológico, afetando o mercado de trabalho e a capacidade das instituições acadêmicas e organizações independentes de competir por talentos e recursos. Além disso, essa concentração de poder sobre a direção da IA levanta questões éticas e morais sobre a aplicação da tecnologia e quem beneficia das suas vastas capacidades.
Procurando uma solução, ou ao menos um equilíbrio, alguns acadêmicos estão se unindo às empresas para conduzir pesquisas em IA, buscando aproveitar os recursos e a infraestrutura disponíveis no setor privado. No entanto, como aponta David Harris, ex-funcionário do time de IA da Meta, mesmo essa colaboração pode ser tingida pela busca por lucro, influenciando quais projetos recebem luz verde.
Esse panorama nos leva a refletir sobre o futuro da inteligência artificial e seu papel na sociedade. A busca por um equilíbrio entre inovação comercial e pesquisa independente focada no bem comum é mais crucial do que nunca, à medida que nos aproximamos de novas fronteiras da capacidade computacional e enfrentamos desafios globais complexos.