Nossa sorte é que o amor não respeita distância e nem tempo. E, pelo visto, nem vírus! Fosse diferente, a relação amorosa de Florentino Ariza e Fermina Daza não iria se consumar mais de 50 anos depois de eles terem se conhecido, como conta o escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez no clássico O Amor nos Tempos do Cólera.
Mais de cinco décadas sem contato físico, sem sequer tocar um ao outro, sem abraços, carinhos e beijinhos, no máximo cartas perfumadas com pétalas de flores prensadas entre as folhas enviadas por telégrafo. O amor de Florentino e Fermina superou quilômetros de distância, um casamento dela com um importante médico e, vejam só, o surto de cólera que atormentou Cartagena de Las Índias no final do século 19.
O que são 15 dias de quarentena perto de mais de 50 anos? Nos tempos do “Corona”, vivemos o afeto restrito, o afago proibido e, em alguns casos, a privação do sexo mesmo. Logo nós, baianos calorosos, doidos por cafuné, Carnaval e putetê, temos que encarar de frente uma biela afetiva obrigatória. Justo no momento que mais precisamos ser acolhidos, abraçados e que gostaríamos de ficar atracados.
Há desde casais quase comemorando bodas de prata sofrendo dessa carência. “Ele é médico e estamos dormindo em camas separadas. É muito triste”, lamentou uma dona de casa de 45 anos. E, claro, tem os solteirões na seca. “A partir do momento que começou essa loucura já tive que cancelar três encontros do Tinder. Tô na seca total, pai”, admite um engenheiro de 40 anos.
Quando você vê que até o que Deus uniu o Corona já conseguiu separar (ao menos fisicamente), bate um desânimo.
“É um momento crítico. Meu companheiro é dentista e até segunda-feira nossa relação tava normal. Eu estou na quarentena e ele topou me acompanhar. Mas aí surgiram pacientes de urgência e ele resolveu atender. No início, eu pedia pra ele chegar em casa e ir direto pro banheiro tomar banho. Mas agora eu disse a ele: ‘Ó, não vai rolar isso, não! Você não vai nem encostar em mim!’. Mandei ele pra casa da filha!”, contou uma pedagoga de 56 anos.
Certamente o amor da professora e do dentista vai resistir a essa fase. Mas não é todo amor que suporta esses tempos de vírus. Uma advogada de 30 anos conta que se encolerizou contra a postura de sua namorada, que passou a trabalhar no sistema home-office.
“Eu, no entanto, continuo precisando ir trabalhar fisicamente. Eis que a criatura vira pra mim e diz: ‘não sei quando vamos voltar a nos ver! Se você vai pra rua pode pegar coronavírus e me passar’. Eu me decepcionei absurdamente. Nem sei se o relacionamento sobrevive”. Mas aí recorremos novamente à Garcia Márquez:
“O amor se torna maior e mais nobre na calamidade”.
De fato, os tempos de Corona nos dão a chance de entender que o amor vai muito além do sexo. Mais do que qualquer coisa, a obstetra baiana Luiza Riccio, 33 anos, que trabalha em um hospital de São Paulo, agradece por ter uma boa companhia ao final do dia.
“É bom ter alguém para viver isso junto, ter alguém para conversar, é um respiro. Para mim, que estou na linha de frente, esse afeto é que segura a onda. O amor em tempos difíceis serve para isso. Dá uma sensação de conforto e de que isso vai passar”, disse a médica, que mora em um apartamento de um quarto. “Aqui não tem como ter isolamento. Se um ficar doente, o outro também vai ficar. Estamos meio que conformados em relação a isso”.
Não se engane. Às vezes é mais fácil controlar o pânico antecipado de morrer de Covid-19 que encarar a sensação de estar longe do seu amor. Depois de ser impedida de embarcar para Brasília, onde mora com o namorado, a estudante de direito baiana Luisa Andrade, 32 anos, está separada do companheiro por quase 1,5 mil quilômetros graças ao Corona.
Desesperada, reconhece, fez um “trato de sangue” com ele. “A sensação é de desespero mesmo, ficar longe de quem se ama em um momento como esse. Estou tentando manter a calma. Fizemos um trato: se um dos dois ficar doente, vamos ficar doentes juntos. Vamos dar um jeito! Pegar um avião pra outro estado e aí sim pra Brasília. Ou um ônibus, qualquer coisa. Mas não vamos ficar afastados se a doença chegar”, disse Luisa, antes de serem proibidas as viagens interestaduais de ônibus.
Força, Luísa! Se te conforta, Florentino não deixou de pensar em Fermina um único instante ao longo de 51 anos, nove meses e quatro dias separados. Florentino, apaixonado como você, tinha crises de ansiedade com as cartas que recebia e passou a sofrer desmaios repentinos a ponto de sua mãe confundir com os sintomas do cólera.
Portanto, cuidado para não perder o fôlego de amor e achar que está com Covid-19. Pior é na guerra, como é o caso de Mariana de Souza Fonseca, 34 anos, enfermeira da UTI do Hospital Geral do Estado (HGE) e da emergência pediátrica do Roberto Santos. Casada com um bombeiro, que também está na linha de frente, ela não tem muito o que fazer a não ser tomar os cuidados de higiene. “Nenhuma restrição de beijo, abraço ou sexo. Temos que viver como se nada estivesse acontecendo”.
Sexting e vídeo chamadas
As cartas perfumadas de Florentino às vezes levavam dias para chegar às mãos de Fermina. Nós ao menos temos a tecnologia a nosso favor. Mensagens instantâneas de aplicativos de mensagens. Claro, nada substitui o toque, a pele, mas vídeo chamadas aproximam os amores sem o risco de transmissão.
O músico Victor Vilas, 35 anos, tenta se acostumar a uma separação compulsória da namorada, que mora com os pais. “Passei a ficar em casa sozinho. Isso corta a convivência que estávamos acostumados, mas a gente sabe que é o necessário para que essa fase passe logo. Hoje a gente se fala o tempo todo via redes sociais e fazemos vídeos e chamadas”.
E os solteiros que moram sozinhos? Como vão se virar nesses “100 anos de solidão”? “Já pararam pra pensar que o jogo virou? Agora os casados são os que mais transam! Chupaaaaaa!!!”, tirou onda Guilherme Trajano no Twitter.
O problema são os riscos de se aproximar de um paquera que pode ser um vetor de transmissão? “Velho, o que vai rolar de nude nesse rolê pelo Zap não tá na história. Eu tratei foi de comprar pilha pro meu vibradoooooor. ‘Noix’ tá em isolamento, mas ‘noix’ vai gozar!”, avisa uma professora universitária.
Tinder de quarentena
Uma estudante de letras de 31 anos está indignada. No caso dela, tem sido difícil quietar o facho. Cortou tudo com o “peguete” que via quase todos os dias. “Ele disse que tava meio gripado e decidiu não me ver mais. Tá bem difícil!”. Ambos estão apostando no chamado sexting, que não passa da boa e velha putaria por mensagem de texto.
“Rapaz, eu mesmo tô evitando. Fico tentando manter contato, dizendo que vou marcar um encontro e tal. Pergunto como tá a rotina da pessoa pra ver se ela tá em algum grupo de risco. Mas a real é que o pessoal tá meio sem coragem. Não passa do ‘vamo ver como tá a quarentena’”, diz um gestor de equipamentos médicos de 41 anos.
“Até pensei em arriscar um encontro, mas acho que vou passar essa biela mesmo. Por mim e por elas. Até porque sou da área de saúde. Mas não sei até quando vou aguentar”, afirma. Fala-se à boca miúda que o Tinder tá mais parado que o bairro do Comércio dia de domingo. “O Tinder tá todo de quarentena”.
E a angústia do quase amor? A possibilidade de ver esfriar a paixão que estava a um encontro de ganhar um upgrade? Um engenheiro eletricista de 40 anos diz que não sabe como encarar o fato de não poder ver uma paquera por quem começava a desenvolver um sentimento nobre. “Uma médica que gosto pra caralho dela e eu nem posso me encontrar. Ela trabalha em maternidade. Pense aí no barril”, lamenta.
Para esse e todos os solteiros ansiosos, mas ao mesmo tempo responsáveis e que pensam nos outros, uma assertiva do pensador alemão Johann Goethe pode fazer toda a diferença nesse momento: “é urgente ter paciência”. Ou como aconselhou Dalila Ribeiro no seu Instagram: “Se cuide, se curta, se queira bem, se conquiste!”
Até porque, assim como o amor, o vírus não respeita fronteiras. Casos como o da mulher espanhola que, com Covid-19 assintomática, foi encontrar com um ex-amor na Argentina circulou nas redes sociais. Casado, o rapaz acabou infectado e disseminou o vírus na cidade dele.
Ao tomar conhecimento do fato, o governo argentino tomou duas providências: informou ao governo espanhol e à mulher com a qual ele era casado. Esta, portanto, foi comunicada da possível infecção (e do corno) pelo Ministério da Saúde do seu país. Por isso, é bom segurar os instintos.
Além de fronteiras, como se sabe, o vírus não respeita gênero, raça, classe ou orientação sexual. Em grupos de WhattsApp LGBTs, tá rolando um banner eletrônico alertando a todos: “Bicha, pare! É chegado o momento de falar não aos boys. Não seja loka”.
Asas à imaginação
Memes, charges, vídeos e desenhos tentam dar asas à imaginação e aliviar a angústia. Antes de isso tudo começar, teve gente recebendo o bilhete em forma de meme postado pelo perfil Canibal Vegetariano: “Você topa ficar de quarentena comigo?”.
Em um desenho um homem e uma mulher estão em pé, de roupa, sensualmente atracados, mas beijam-se de máscara.
Um vídeo mostra um casal em várias posições sexuais, mas cada um metido em uma daquelas roupas amarelas de filme de ficção científica para se proteger de uma a ameaça microscópica. Eles se beijam de língua, só que separados pelos vidros dos seus capacetes.
Mas não podemos esquecer dos privilegiados da quarentena. Devidamente acompanhados de seus parceiros desde o início das restrições, vivem o mínimo de risco no que tange ao contato físico. Para esses, Isabela Reis usa a sua visão futurista para alertar sobre uma possível geração de brasileirinhos que irão vingar daqui a nove meses.
“O brasileiro cheio de fogo no rabo trancado dentro de casa vai fazer o quê? Ler um livro? Curso on line? Vem aí: os bebês da quarentena”, escreveu em seu twitter, republicado no perfil Cantadas Progressistas do Instagram.
Claro, como se trata de um isolamento impositivo, os casais nem gostariam de estar tão fechados assim. Em algum momento vai sufocar! Especialmente para aqueles de relacionamento aberto.
“Esse primeiro momento de reclusão está sendo tranquilo – estamos bem com a companhia um do outro e a necessidade de isolamento social e sexual é entendido como uma necessidade. O momento agora é de sensatez, de segurar um pouco e esperar a situação ficar minimamente sob controle antes de retomar as paqueras fora. O fato é que os contatinhos serão obrigados a ficar no mundo virtual temporariamente”, disse um jornalista de 36 anos.
“Mais do que a manutenção e usufruto da relação aberta, estou preocupado agora com o fato de ficarmos 24 horas em casa ‘presos’ com nossa filha de quatro anos. Aí é a mágica de lidar com as oscilações de humor de todos. Mas até o final da quarentena, alguma hora o bicho vai pegar… Com certeza!”, prevê.
Aos casais que já gostam de brigar normalmente, aí é que o bicho pega mesmo. A convivência a dois já não é fácil, imagine 24 horas por dia. “Saí da condicional esses dias. Pior que nem posso aproveitar a liberdade”, brinca um motorista de Uber, que tinha acabado de fazer as pazes com a esposa.
Fato é que existe amor nos tempos de quarentena. Conseguem imaginar os encontros e desencontros que esse momento pode proporcionar? Do açaí que estava marcado e acabou frustrado ali na nova açaiteria na Barra ao sexo apenas visual com a vizinha de varanda, melhor deixar subir os créditos desse roteiro de ficção científica para só então se pegar de jeito e se amar com vontade.
Nem que esse amor seja forjado justamente nesse período, em mensagens perfumadas por figurinhas de flores ???????????? e gifs de WhattsApp. O amor é filme, mas, como vimos, a vida também imita a literatura. Então, tomemos o exemplo de Florentino e Fermina, que souberam esperar. Foram mais de 50 anos desde o dia que se conheceram até que, já idosos, ao fim do surto de cólera, finalmente estavam juntos em uma cama, na cabine de um navio. “Se temos que fazer safadezas vamos a elas”, disse Fermina.
‘A melhor forma de encarar o amor nesse momento é com o próprio amor’, diz psiquiatra
“O amor é uma energia, um sentimento muito elevado. Com todos os cuidados o próprio amor ajuda a amenizar o sofrimento, a dor e o afastamento”, afirma o experiente psiquiatra Gervásio Araújo. Para encarar o período de quarentena a dois ou afastado do seu amor, Gervásio sugere exercitar o poder criativo, manter a individualidade e reforçar interiormente o sentimento de afeto.
“A melhor forma de encarar o amor nesse momento é com o próprio amor. Mesmo sem a presença, sem o abraço e sem sexo. Vale que cada um reflita e se autoperceba na relação com o outro”, aconselha Gervásio.
Para o psicanalista Caio de Mattos Filho, o isolamento é um elemento perturbador em um ambiente já tão difícil e delicado, no caso os domicílios e leitos conjugais. Por outro lado, diz ele, outros casais que não vivem tão bem podem ter nesse momento um canal de estreitamento, de aliança e de força.
“Não necessariamente a necessidade de cuidados com o contato vai fazer com que um casal deixe de se amar ou se ame ainda mais. Penso nos efeitos particulares que isso pode ter sobre a fragilidade e fortaleza dos casais a depender de cada contexto amoroso”, afirma Caio.
“Precisaremos pensar em novos enlaces, novos olhares e novas formas de produzir afeto. Há de ser criativo e advertido de que todas as barreiras criadas pelas superfícies das luvas, máscaras, álcool em gel não impedem que o laço social se mantenha, se reinvente”, resume a também psicanalista Juliana Pereira, que escreveu um artigo sobre o assunto para o CORREIO.
Dicas para manter acesa a chama da sua relação na quarentena
DR e reflexão: aproveitem o momento para refletir (se estiverem separados) ou discutirem (se estiver juntos) a relação com o máximo de afeto e amor possível
Reflitam sobre o que realmente está se passando. Não exagerem! Se nenhum dos dois tem sintomas ou mantém contato com grupos de risco externo, tentem levar a vida amorosa e sexual normalmente. Caso contrário, não pensem duas vezes em evitar o beijinho ao chegar em casa antes de tomar banho ou até em dormir em quartos separados nesse momento. Vai passar!
Tentem manter a individualidade mesmo em pequenos espaços. Cada um tem as suas demandas, pensamentos e medos
Aceitem críticas e saibam digeri-las. Se o outro está dizendo que você não lava as mãos direito, veja isso como um cuidado com vocês.
Sexo aumenta a imunidade?
De acordo com um estudo desenvolvido pelo departamento de psicologia médica da Clínica Universitária de Essen, na Alemanha, os atos sexuais aumentam a imunidade do organismo. A pesquisa chegou à conclusão que o orgasmo aumenta os níveis de dopamina e ocitocina, essências para estimular o sistema imunológico e fortalecer o corpo contra vírus e bactérias.
Em plena pandemia de Covid-19, o sexo e a masturbação podem ser uma boa alternativa. A dopamina e ocitocina também reduzem os níveis de cortisol, hormônio responsável pelo estresse e presente em momentos de ansiedade e angústia. Ainda de acordo com a pesquisa, o nível de glóbulos brancos (que também combatem vírus e bactérias) presentes no sangue aumenta muito 5 minutos antes de um orgasmo e 45 minutos depois.