Há mais ou menos cinco anos, a produtora carioca Iafa Britz recebeu, do amigo Bruno Wainer, profissional da distribuição cinematográfica, um material que lhe chamou a atenção: panfletos, recortes de jornal e e-mails que falavam da história de Irmã Dulce (1914-1992).
Tudo havia chegado a ele graças a uma devota do Anjo Bom da Bahia, que acreditava que a vida da religiosa renderia um filme. Curiosa, Iafa resolveu vir logo à Bahia para conhecer as Obras Sociais Irmã Dulce. Passou um dia em Salvador e saiu daqui convencida de que o filme precisava ser feito.
E o resultado chega, hoje, a 106 salas de cinema do Norte/Nordeste do país, sendo 14 capitais e algumas cidades do interior de vários estados. No dia 27, estreia nas demais regiões.
Em pré-estreia com a presença de grande parte do elenco e equipe, o filme levou, segunda-feira, mais de dois mil espectadores às 12 salas do UCI Iguatemi. Hoje, chega a 17 salas da cidade.
Diretor
Gravada em Salvador entre abril e junho deste ano, a cinebiografia tem a carioca Bianca Comparato, 28, e a mineira Regina Braga, 67, no papel da religiosa, além de um numeroso elenco baiano, com atores como Fábio Lago, Amaurih Oliveira e Caco Monteiro. A direção é de Vicente Amorim, 48 anos, o mesmo de Caminho das Nuvens (2003), sobre uma família que viajava pelo país de bicicleta.
Sempre envolvido em filmes baseados em fatos reais – atualmente participa de três projetos -, Vicente reconhece o mito que Irmã Dulce representa para a Bahia: “Eu nunca havia feito uma cinebiografia propriamente e essa é especial porque se trata de uma pessoa que é objeto de devoção”.
Para entenderem melhor o que Irmã Dulce representa para os baianos, Regina Braga e Bianca Comparato passaram três meses em Salvador e chegaram à cidade um mês antes de as filmagens começarem.
“Chegar aqui antes das filmagens começarem foi fundamental para sentir a presença de Irmã Dulce viva na cidade. Em todo lugar, alguém tem uma história pra contar sobre ela, algo que aconteceu com o pai ou com um amigo”, diz Regina Braga, que vive a Irmã Dulce numa segunda fase, nas décadas de 70 e 80.
Para entender melhor sua personagem, Regina diz que conversava com anônimos e ia a lugares que Irmã Dulce frequentava, como a Conceição da Praia e a Igreja de Santo Antônio. A atriz também tinha alguns consultores informais, como Caetano Veloso, Moraes Moreira e Roque Ferreira, que falavam sobre Irmã Dulce.
Bianca Comparato, que vive a fase jovem da protagonista, até os anos 60, alugou um apartamento no Corredor da Vitória, onde morou também por três meses e tinha até um escritório com uma decoração que fazia referência a Irmã Dulce. Apesar de interpretar um personagem real, Bianca diz que fugiu de uma imitação caricatural graças à orientação de Vicente Amorim: “A caricatura distancia o espectador da emoção. Nós buscamos o caminho oposto. Como diz Vicente, nós não estávamos fazendo uma fotografia de Irmã, mas era uma pintura”.
Tanto Bianca como Regina faziam questão de acompanhar o trabalho da outra e chegavam até a ensaiar juntas, para buscar uma unidade na interpretação. “Nós trocávamos muitas ideias uma com a outra e frequentamos o Convento do Desterro”, revela Bianca.
Nas andanças por Salvador, elas chegaram a passear pelas ruas vestidas como Irmã Dulce. No elenco, além das duas atrizes principais, estão nomes conhecidos em papéis secundários, como Glória Pires e Gracindo Júnior, que fazem os pais de Irmã Dulce. Luiz Carlos Vasconcelos, Irene Ravache e Zezé Polessa também interpretam personagens importantes.
João
Entre os atores revelados no palcos baianos, o que tem papel de mais destaque é Amaurih Oliveira, 26 anos, nascido em Ilhéus. Amaurih interpreta João, o principal personagem entre todos os que rodeiam a religiosa. Ainda menino, João é abandonado na porta do convento, muito doente. Lá, é amparado pela jovem freira, com quem mantém uma relação ao longo de toda a vida. Apesar de não ser baseado em um personagem real, João pode ser considerado uma síntese de várias pessoas que foram acolhidas por Irmã Dulce.
“É um privilégio interpretar alguém que simboliza todas as crianças de quem ela cuidou”, diz Amaurih, que venceu o troféu de revelação no último Prêmio Braskem de Teatro, entregue em abril. O roteiro do filme é de Anna Muylaert (O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias) e L.G. Bayão, que havia sido colaborador do roteiro de Heleno (2011).
Para Vicente Amorim, Bayão conseguiu superar o maior desafio, que era a ausência de conflitos e de contradições na personagem-título: “Irmã Dulce teve uma vida reta, dedicada a fazer o bem e amar ao próximo com total doação. Não tinha contradições internas, mas tinha conflitos permanentes. Tinha uma relação conflituosa com a Igreja, era uma mulher revolucionária, subversiva”.
Para Bianca Comparato, a determinação de Irmã Dulce contrastava com a sua aparente fraqueza física, marcada por uma doença respiratória: “Quem olhava pra ela imaginava uma freira franzina isolada rezando num canto. Mas estava longe de ser assim e até subvertia a Igreja”.
Fonte e fotos: www.correio24horas.com.br