Imagine a cena: um ‘rasta’ desconhecido vestindo moletom e carregando um violão decide que vai cantar e tocar umas músicas na Estação da Lapa. Quer trazer um pouco de alegria às pessoas que vão e vêm no terminal. Começam os primeiros acordes de um reggae: era Árvore, de Edson Gomes.
Uns passam sem dar importância. Para outros, aquilo chama atenção. Alguns, desconfiados, parecem já ter matado a charada. Não era qualquer músico. Não era ‘um artista de rua’ – embora fosse um artista que vive a rua. Era um timbre que refletia aqueles sons; de gente comum, de gente que sai de casa todo dia para viver um sonho. Era uma voz de Salvador.
“É Saulo, amiga!”, o grito de uma estudante com a farda do colégio parece trazer de volta à realidade. Oi? Como assim, Saulo, em plena quarta-feira à tarde, na Estação da Lapa? A amiga parece não acreditar. “É Saulo sim, oxe!”, continua a primeira, que puxa a outra para perto. Àquela altura, uma pequena multidão já começava a se formar.
Não devia ter muito mais do que um minuto de música, mas, naquele momento, a identidade do nosso rasta já tinha sido conhecida. “Seu lindo!”, gritavam alguns. Saulo já ria como se tivesse aceitado seu destino. Tinha sido descoberto logo de cara.
Ele encarou um desafio e um convite do CORREIO de se disfarçar e fazer, como um presente pelos 469 anos de Salvador, um pocket show num dos locais mais representativos da cidade nesta quarta-feira (28). A Estação da Lapa pode não ser ponto turístico, mas faz parte da rotina de milhares de soteropolitanos.
“Na hora que ele entrou aqui e vi a barbinha, já sabia. Vi o chinelo, pronto. Não entendi nada, porque achei que seria um artista de rua. Mas quando ele começou a cantar…”, explicava a atendente Ariele Gardênia, 22, que trabalha numa lanchonete em frente ao local onde Saulo começou a cantar.
Ela descreveu sua lógica à repórter: Saulo costuma andar de chinelo. Despojado, basta olhar para ele que qualquer um percebe que ele gosta de conforto.
Saulo, por sua vez, emendava uma canção à outra. Quando começou Raiz de Todo Bem, foi como se falasse diretamente com alguns que estavam ali. Tirou a peruca e acabou com o disfarce – que, agora, já não fazia sentido. E não parava de vir gente de todo lado – das saídas do terminal, dos shoppings da região e do metrô.
“A gente tem tantas dores e sofre tanto preconceito na vida, mas ele é um cara que quebra paradigmas”, disse a vendedora Vanessa Henrique.
Vanessa tinha acabado de chegar à estação quando viu Saulo – já sem o disfarce. De lá, ela seguiria para uma consulta com o dentista, marcada para as 16h. Já eram 16h. “Acho que perdi o dentista, mas não tinha como não parar aqui. Eu estava aqui falando que vocês (o CORREIO) fazem ações muito legais, porque quem vai imaginar Saulo na Lapa?”. De fato, Vanessa. Mas uma coisa dessas só acontece em Salvador. Isso é Salvador.
Para a atendente Verena Carvalho, 33, essa foi a melhor parte do presente. Para ela, Saulo é Salvador. “Ele leva o nome da cidade para todos os lugares. Se tem uma pessoa que representa Salvador, essa pessoa é Saulo”. A autônoma Ana Cláudia Jesus, 47, também compartilhava da mesma opinião. Explicou que achava que nenhuma outra escolha poderia ser melhor do que o cantor. “Eu estava descendo a escada quando ouvi a voz dele, que reconheceria em qualquer lugar do mundo. Ele tem esse jeito simples. É iluminado”.