Eduardo, do Vitória, troca a bola pela enxada no interior do Ceará

Os pés seguem preservados, mas as mãos ganharam alguns calos durante a pandemia de coronavírus. Há três meses, Eduardo ajuda o pai na roça da família, em Miraíma, no interior do Ceará. Após os treinos físicos matinais realizados via internet pelo Vitória, o meia segue suando a camisa, só que com a enxada.

A gente planta feijão, milho, goiaba, banana, mamão. Tudo pra usar em casa mesmo. Assim que acaba o treino, vou e passo o dia lá, até pra evitar a vinda de gente aqui em casa, porque quando tô na cidade a casa fica muito cheia. Logo que cheguei, não tinha nenhum caso de coronavírus, mas agora já tem muitos confirmados. Tá complicado ver os amigos por conta dessa doença”, diz o jogador revelado nas categorias de base do Leão.

Seu José ganhou ajuda extra porque as atividades na Toca foram suspensas em 17 de março para evitar o contágio da covid-19. Promovido ao elenco principal no começo desta temporada, Eduardo ainda morava nas instalações da base rubro-negra. Como não podia permanecer no clube, o jogador viajou para a cidade onde cresceu. Está nos planos alugar um apartamento ao retornar para Salvador.

Poucos dias antes da Organização Mundial de Saúde (OMS) decretar a pandemia, o meia renovou contrato com o Vitória até dezembro de 2022 e recebeu aumento salarial. “Quando meu empresário entrou em contato comigo, fiquei meio sem acreditar e não quis falar para os meus pais, esperei alguns dias e, depois que eu realmente assinei, pedi para tirar uma foto e mandei”, conta o atleta de 19 anos.

Seu José, 52 anos, e dona Valneide, 48, não seguraram a emoção. “Meu pai e minha mãe choraram de alegria e foi mais uma realização pra gente. Eles dependem de mim. Meu pai é agricultor e minha mãe faz serviços gerais na escola da cidade, mas o salário dela é muito baixo. Antes, eu ajudava, mas não podia ajudar tanto. Agora, posso dar uma ajuda melhor, sem me preocupar se vou ficar sem dinheiro em Salvador. Agora sim estou podendo ajudar da forma que queria”.

Eduardo chegou ao clube em 2016, após ser reprovado em testes do Juventude e Fluminense. Em janeiro deste ano, ele se destacou na Copa São Paulo de Futebol Júnior mesmo o time tendo sido eliminado pelo Paraná na segunda fase do torneio . “Como eu era um dos mais velhos, tinha que chamar a responsabilidade. Acabei sendo capitão e não senti a pressão. A Copa São Paulo mudou completamente a minha vida. Não estava tendo oportunidade no sub-20, mas trabalhava muito porque sabia que uma hora teria chance de mostrar meu talento”. Ao retornar para Salvador, o meia foi integrado ao elenco principal, comandado por Geninho.

O técnico o relacionou para cinco dos 10 jogos que comandou entre Copa do Brasil e Copa do Nordeste, no primeiro trimestre do ano, antes dos campeonatos serem suspensos, mas Eduardo só entrou em campo para reforçar o já extinto time de aspirantes, no Campeonato Baiano. A estreia como jogador profissional foi em 15 de fevereiro, no triunfo por 2×1 contra o Atlético de Alagoinhas, no Barradão.

Fiquei um pouco nervoso, inclusive porque minha cidade toda estava assistindo, mas acho que me apresentei bem”, avalia. Depois, voltou a ser usado no estadual e lamentou a derrota pelo mesmo placar no clássico Ba-Vi.

Sonho de família
A profissionalização de Eduardo é uma realização para a família toda e não apenas pela questão financeira. Ele está conseguindo realizar o sonho frustrado de outras duas gerações. O irmão Artur, 24 anos, chegou a defender Boa Esporte e Guarani de Sobral, mas desistiu dos gramados quando o filho nasceu. Antes volante dentro das quatro linhas, trabalha atualmente como mecânico e também dá uma força na roça da família. O pai queria ser centroavante e foi pretendido por alguns clubes do futebol cearense. “Naquele tempo era difícil e minha avó acabou não deixando. Era mais sonho dele do que da gente”, revela o garoto.

A enxada não apenas une ainda mais Eduardo à família como ajuda a driblar o tempo durante a pandemia. Ele e seu José estão ansiosos para que os campeonatos sejam retomados e a tão sonhada estreia com a camisa do time principal do Vitória aconteça. O clube aguarda o aval das autoridades governamentais para retomar os treinos presenciais.

Tô muito mais ansioso do que quando estava em Salvador, pois sei que, quando a gente voltar, vão ser muitos jogos e vai acabar surgindo a chance. A vontade está muito grande, mas sei que no momento certo Geninho vai me dar a oportunidade. Ele tem conversado bastante comigo, tem pedido pra eu ficar tranquilo e me preparar pra fazer o que sei de melhor no momento certo”, conta. “Estou me preparando muito bem pra quando a oportunidade aparecer não deixar passar”, projeta Eduardo.