‘Melhor perder o pênis que a vida’, diz baiano que sofreu amputação após câncer na genitália

Camisa 10 do Flamengo, Ederson se recupera há 10 dias de uma cirurgia para a retirada do testículo direito. Diagnosticado com um tumor, o meia-atacante ainda não sabe quando voltará aos gramados – o tratamento pode levar até três meses e só depois ele será reavaliado. Casos como o de Ederson são comuns em 5% dos brasileiros entre 15 e 50 anos, segundo Instituto Nacional do Câncer (Inca) – alguns homens não apresentam qualquer sintoma. A melhor forma de se prevenir é por meio do toque.

É o autoexame que pode alertar o paciente para o surgimento de alguma anomalia no órgão reprodutor. Juntos, tumores no testículo, pênis e próstata matam mais de 14 mil brasileiros por ano.

Morador da zona rural de uma cidade próxima a Vitória da Conquista, no sudoeste do estado, Aldair José Lima Sobrinho, 56 anos, não entrou nessa estatística, mas foi por pouco. Ele só procurou ajuda quando a situação já estava bastante avançada.

“Não sou de sair falando por aí sobre o assunto, mas minha família toda sabe. Minha esposa se irritou muito porque não falei logo no início, quando começou a aparecer o problema, mas aí ela viu a gravidade. Eu poderia morrer. Ela concordou de fazer a amputação também. Melhor perder o pênis que a vida”, comentou o lavrador, que é casado e pai de três filhos adultos.

Para não ser necessária a amputação total ou parcial do membro, o diagnóstico precoce é essencial, de acordo com o médico Alfredo Canalini, diretor da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). “É esse toque que vai mostrar o sinal de alerta, mostrar que há algo de errado, tendo a pessoa que procurar o quanto antes um urologista”, explica.

Autoexame
O desenvolvimento desse tipo de câncer, que matou 343 homens no Brasil em 2013 (última atualização do Inca), está associado ao histórico familiar, lesões e traumas na bolsa escrotal e quando o testículo não desce para a bolsa escrotal.

“Por isso a necessidade de autoexame mensal, sobretudo por parte daquelas pessoas em que na família já foram registrados casos da doença”, destacou Canalini, observando que é preciso ter cuidados também na fase infantil, para checar se a descida do testículo para a bolsa escrotal ocorreu de forma normal.

Falta de higiene é fator de risco
Apesar de ter outro perfil, mas não menos preocupante, o câncer de pênis é um dos menos conhecidos e ainda estão sendo estudados dados sobre a incidência.

Este tipo de câncer atinge anualmente cerca de mil homens no país, e é causado, principalmente, pela falta de higiene, associada ao problema de fimose.

O homem que possui fimose não consegue expor por completo a glande (cabeça do pênis), que fica recoberta pela pele, dificultando a limpeza.

A falta de higiene é, para o médico José de Ribamar Rodrigues Calixto, membro do departamento de Uro-oncologia da SBU, um problema sociocultural. Calixto atua no Maranhão, estado que registrou cerca de 200 casos deste tipo de câncer em 2016, “maior incidência do Brasil”, segundo o médico – o Ministério da Saúde e o Inca não informaram a estatística nacional.

No Maranhão, o câncer de pênis só perde para o de pele. “Aqui, o problema atinge desde o pescador, a pessoa que mora no interior do interior do Maranhão, até gerente de multinacional. É algo que as pessoas não fazem: lavar direito o pênis, ou simplesmente não lavar, e deixar para procurar o médico quando o câncer já está em estado avançado. E aí tem de amputar total ou parcialmente”, disse.

“Não teve jeito, teve de arrancar”
Além da fimose, a pouca escolaridade e a falta de informação também foram determinantes para seu Aldair desenvolver o câncer. Antes, ele nunca tinha procurado um médico para tratar a fimose.

“Na hora do sexo, sempre teve uma dor que incomodava, mas já estava acostumado. E durante o banho, tinha dia que lavava, mas às vezes esquecia ou deixava de lavar porque ardia com o contato com o sabão [por causa das feridas]”, relatou ele, que após a amputação ficou com apenas 2 cm do órgão reprodutor.

O ardor que ele sentia foi aumentando, assim como o incômodo durante a atividade sexual, até que Aldair deixou de fazer sexo e lavar o pênis. A situação se prolongou por ao menos quatro meses.

As lesões (caroços, feridas) tomaram conta da glande. Em seguida, se intensificaram as dores abdominais, o cansaço e a perda de peso. Um mau-cheiro começou a exalar do pênis, que começou a expelir pus.

“Minha esposa percebeu que eu não estava bem e acabei contando para ela. Procuramos o médico e descobriu o câncer. Não teve jeito, teve de arrancar mesmo. Já tinha tomado quase metade”, disse ele, que vivem sem a maior parte do pênis desde o final do ano passado.

A função de urinar, contudo, não foi afetada pela amputação: “só passei a urinar sentado. Às vezes arde um pouco, escorre urina, mas é bem pouca”.

Sobre a perda da atividade sexual, disse que sente falta, mas superou rápido pelo fato de não ter ereção. “Eu até penso, mas fica só na imaginação mesmo. Não teve problemas com minha esposa. Entendemos e nos adaptamos”, conta.

Procura tardia
Seu Aldair faz parte de um grupo de 50% dos brasileiros diagnosticados com câncer de pênis tardiamente por não buscar acompanhamento médico ao aparecimento dos primeiros sintomas, segundo a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

O perfil da grande maioria dos homens que possuem câncer de pênis é também semelhante ao de seu Aldair: baixa escolaridade, oriundo de locais onde moram pessoas de baixa renda e com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), problemas de fimose e idade entre 40 e 69 anos.

É nos países subdesenvolvidos que a incidência da doença é maior, enquanto que nos mais desenvolvidos ela é considerada rara.

Um dos estudos mais recentes sobre o assunto, publicado em 2015 pela SBOC, apontou, por exemplo, que a incidência de câncer, primário e maligno do pênis nos Estados Unidos, entre 1973 e 2002, foi de 0,69 por 100.000 homens.

Em Manaus (AM) – informa o estudo da SBOC –, pesquisa de 1999 apontou que o câncer de pênis foi responsável por 20% das neoplasias no homem, com incidência de 4,17 por 100.000 pessoas do sexo masculino.

O DataSus, do Ministério da Saúde, segundo o estudo da SBOC, estima que o Brasil esteja em segundo lugar no ranking mundial da doença, atrás apenas da África.

Pelos dados do Inca, o tumor representa 2% de todos os casos de cânceres no homem, sendo mais frequente nas regiões Norte e Nordeste que nas regiões Sul e Sudeste.

Faltam estudos
A falta de pesquisas mais profundas faz com que pouco se saiba sobre a incidência deste tipo de câncer na Bahia.
Um dos últimos estudos sobre a doença é da década de 80, quando foram investigados os casos de 811 pacientes com o diagnóstico, entre 1952 e 1983.

Publicada na Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) em 1984, a pesquisa mostrou que 80% de todos os pacientes eram do interior do estado, tendo as microrregiões do Recôncavo Baiano, Jequié, Feira de Santana e Serrinha apresentado as maiores quantidades de casos. Fimose foi a principal condição associada, estando presente em 63% dos casos.

“Hoje não temos muitos dados concretos sobre a incidência, mas podemos afirmar que a Bahia está, entre os estados do Nordeste, na quarta ou quinta posição em incidência da doença”, informou o médico oncologista Alessandro Vasconcelos, coordenador da Câmara Técnica de Cancerologia e Hematologia do Cremeb (Conselho Regional de Medicina da Bahia).

“O que lamentamos é a falta de campanhas oficiais educativas, uma educação sexual que venha desde a infância, orientando sobre o que a falta de higiene no pênis pode provocar”, comentou Vasconcelos.