O trajeto de Ulan Bastos Galinski, o 15º baiano a se classificar para os Jogos Olímpicos de Paris, é uma jornada inspiradora que teve início no místico Vale do Capão. Filho de uma brasileira e um francês, donos do Circo do Capão, Ulan, de 25 anos, encontrou na natureza exuberante de sua terra natal a principal aliada para se tornar o principal ciclista de Mountain Bike do país.
“É com muito orgulho que eu falo que eu sou do Vale do Capão e que um chapadeiro da Chapada Diamantina está chegando hoje em uma Olimpíada,” declarou Ulan à reportagem de A TARDE. “Sempre pratiquei muitos esportes e tive bastante contato com a natureza. A bicicleta sempre foi o meu meio de transporte para ir à escola, à casa de amigos, que também só rodavam para cima e para baixo de bike.”
Foi após presenciar a Ultramaratona de Mountain Bike Brasil Ride, com passagem por Mucugê em 2013, que Ulan percebeu que aquele era o esporte que desejava desenvolver. Para tanto, precisou “abandonar” os sonhos de se tornar jogador de futebol (chegou a passar em uma peneira do Bahia) e lutador de Jiu Jitsu.
Uma paixão contagiante
“Virou uma febre para mim, porque meus melhores amigos também passaram a competir em algumas provas e os dois melhores atletas da Bahia naquela época eram também do Capão,” relembra Ulan. “Gostei bastante da experiência de competição e sempre gostei de testar meus limites. Mas é algo que me chamou a atenção no Mountain Bike e que tem tudo a ver comigo e com os valores da minha criação, foi o respeito e a união que os ciclistas tinham um pelo outro.”
A chegada de um mentor
O início das competições locais ocorreu em 2014, mas foi com a chegada ao Capão do estadunidense Rolf Rimrot, em 2015, que Ulan passou a se dedicar quase que integralmente ao ciclismo e às planilhas de treino. “Por coincidência mágica, me mandaram um anjo da guarda dos Estados Unidos para morar no mesmo lugar que eu e então a gente começou um trabalho ali juntos, e eu passei a realmente entender a importância da disciplina no esporte,” conta.
Ascensão meteórica
Em 2016, Ulan Galinski passou a fazer parte da equipe TSW Team Bahia, comandada por um de seus principais mentores, Maurício Cruz. Dois anos depois, aos 19 anos, ele deixou o Capão com um contrato com a equipe nacional da TSW, com base em Governador Valadares, Minas Gerais. Em 2020, o baiano estreava em um Campeonato Mundial na Áustria, terminando em 14° lugar entre os atletas sub-23, melhor resultado de um brasileiro na história da categoria.
Já conquistado o prestígio de competidor de nível internacional, Ulan passou a integrar o Caloi Team, comandado pelo maior atleta da modalidade no país, Henrique Avancini, que se tornou, ao mesmo tempo, tutor e concorrente por uma vaga olímpica. “É um privilégio sem tamanho pode participar dessa equipe. Cresci muito e em 2021 consegui vencê-lo pela primeira vez numa prova. Tínhamos grandes chances de irmos os dois a Paris, mas infelizmente o Brasil ficou com apenas uma vaga e o Avancini deixou as competições no fim de 2023,” explica Galinski.
Rumo a Paris
Sobre as expectativas para Paris, Ulan mantém os pés no chão, reconhecendo que o circuito é técnico, rápido e com bastante cascalho, características que podem favorecer os europeus. “Não tenho pressão, mas quero surpreender o mundo,” afirma. As provas de Mountain Bike XCO em Paris acontecerão nos dias 28 e 29 de julho, na Colina de Élancourt, a cerca de 40 minutos de Paris, no parque Saint-Quentin en Yvelines.
Olhando para trás, Ulan sente orgulho de sua jornada. “Comecei tardiamente no esporte. Pensava em ser jogador de futebol e depois lutador de Jiu Jitsu, mas quando me encontrei no Mountain Bike, tudo fez sentido para mim, porque o espírito de equipe, as amizades, a maneira de um apoiar ao outro, mesmo em competição, tem muito do que carrego do Vale do Capão comigo, da minha formação, de como eu enxergo a vida.”
Sobre concorrer com Henrique Avancini, uma lenda do esporte nacional, por uma vaga, Ulan relata: “Em 2020, quando eu entrei na Caloi Team, eu ainda era um atleta sub-23, e estava no meu último ano de categoria. Eu não enxergava o Henrique como um rival. Em 2023, a gente começou o ciclo olímpico juntos, no mesmo projeto, na mesma equipe, a ideia era a concretização das duas vagas para o Brasil, mas tivemos apenas uma e ele também decidiu não mais disputar competições. Consegui a vaga e tenho nele, em seus ensinamentos e em sua carreira, um referencial enorme para seguir crescendo no esporte. É um ídolo que se tornou meu mentor e hoje é também meu chefe.”
Questionado se duvidou da vaga olímpica, Ulan relembra um momento especial no Capão, em família, que o motivou. “Meu pai está um pouco adoentado. Mas isso me deu uma força muito grande, pois tive várias conversas superprofundas com meu pai e aquilo virou uma chave dentro de mim. Então a gente já começou o segundo ano de ciclo olímpico na frente e consegui manter isso de forma crescente, até tirar a diferença. Uma força que você não se constrói apenas com preparação física, mas que vem de dentro do coração. Que bom que deu certo!”
Por fim, Ulan deixa um recado para quem torce por ele: “Queria agradecer a todos que tiveram e fazem parte da minha história. Todos que me ajudaram lá no início, todos que acreditaram quando nem eu mesmo acreditei que seria possível. Todas as pessoas que tiveram do meu lado, todos os profissionais que trabalham no time. E eu tive a sorte de ter vários anjos da guarda, que Deus mandou para mim em todo esse processo. Obrigado a todos os bons profissionais que trabalham no meu lado, aos patrocinadores, à Caloi, toda equipe, Henrique Avancini e todas as pessoas da Chapada Diamantina, do Vale do Capão, que são a minha maior força. Sempre falo que cheguei aonde eu cheguei, graças ao lugar de onde eu vim. Para todas as pessoas que sonham, digo o quanto que poderoso realmente é sonhar. A minha história é só mais um exemplo.”