Um dia após a cúpula do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) se reunir para discutir o possível afastamento da promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho das investigações sobre a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, ela decidiu pedir afastamento voluntário das investigações.
Em uma “Nota de Esclarecimento à Sociedade”, Carmen Eliza diz que durante toda a sua vida funcional, que exerce “há 25 anos no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro”, jamais atuou “sob qualquer influência política ou ideológica”.
“Toda a minha atuação é pública e, portanto, o que afirmo pode ser constatado”, comentou ela, que foi questionada por ter feito campanha para o então candidato Jair Bolsonaro, durante as eleições de 2018.
Ela também já postou foto com o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), conhecido por quebrar uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco.
Carmen foi uma das três do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) que participaram de uma entrevista coletiva sobre o caso na quarta-feira (30).
Na ocasião, Carmen Eliza, Letícia Emile e Simone Sibilio afirmaram que o depoimento de um porteiro sobre o que aconteceu horas antes do atentado não condiz com as provas reunidas pelo MPRJ. Especialistas, no entanto, apontam lacunas na perícia, que foi realizada em apenas 2h25.
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No dia da posse de Bolsonaro, em janeiro deste ano, a promotora escreveu que “há anos” não se sentia tão emocionada. Antes, ao celebrar a vitória do então presidente eleito, comemorou que o Brasil teria se livrado do “cativeiro esquerdopata”. “Patriotismo. Assim que se constrói uma NAÇÃO! União em prol do Brasil! Família, moral, honestidade, vitória do bem!”, anotou.
Na foto com Amorim, a promotora aparece com a Medalha Tiradentes pendurada no pescoço. Ela foi agraciada com a maior honraria do Legislativo fluminense em setembro deste ano, por iniciativa do deputado Delegado Carlos Augusto (PSD). “Sempre tive certeza de que a minha árdua tarefa de vida seria o combate aos criminosos, que acabam com a paz no Rio de Janeiro”, disse Carmen na ocasião.
Confira a carta em que a promotora de Justiça pede afastamento voluntário do Caso Marielle e Anderson.
NOTA DE ESCLARECIMENTO À SOCIEDADE
“Tendo em vista que alguns veículos de comunicação questionaram hoje (31/10) a imparcialidade de minha atuação funcional no Caso Marielle e Anderson, venho esclarecer que, como cidadã, exerço plenamente os direitos fundamentais a todos assegurados pelo art. 5º da Constituição da República, com destaque para a liberdade de expressão, que garante a livre manifestação de minha opção política e ideológica.
A liberdade de expressão deve ser por todos respeitada, pois somente assim podemos afirmar que realmente vivemos em um Estado Democrático de Direito.
É igualmente certo que a opção política de cada pessoa, a exemplo de suas ideologias, deve ser exercida no campo próprio, no legítimo exercício da cidadania.
O Promotor de Justiça não perde a sua qualidade de cidadão.
Durante toda a minha vida funcional, que exerço há 25 anos no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, jamais atuei sob qualquer influência política ou ideológica.
Toda a minha atuação é pública e, portanto, o que afirmo pode ser constatado.
Sempre pautei minha atividade profissional pela correta aplicação da lei, nunca me afastando, por qualquer motivo, dos elementos do processo e da verdade dos fatos.
Trata-se de um padrão existencial, delineado por uma atuação responsável e séria, independentemente da opção política, religiosa e sexual do réu, da vítima ou de qualquer outra pessoa envolvida na relação processual. Postura diversa desonraria a atuação de um Promotor de Justiça.
Não há, nesses 25 anos, um só episódio que tenha sido apontado como comprometedor de minha imparcialidade na atuação funcional. Ao contrário, são anos de luta isenta pela punição de quem atenta contra o maior bem jurídico de cada um de nós: o direito à vida.
A exemplo da vida, a liberdade e a honra de todos nós devem ser igualmente respeitadas.
Nessa perspectiva, em razão das lamentáveis tentativas de macular minha atuação séria e imparcial, em verdadeira ofensiva de inspiração subalterna e flagrantemente ideológica, cujos reflexos negativos alcançam o meu ambiente familiar e de trabalho, optei, voluntariamente, por não mais atuar no Caso Marielle e Anderson.
Ressalto que fator determinante para minha OPÇÃO de me afastar do caso reside no profundo respeito aos pais da vítima, que já sofrem com a mais dura dor, que é a perda de um filho. Não me permito que a esse sentimento se some qualquer intranquilidade motivada pela condução da ação penal, que se espera exitosa.
Rio de Janeiro, 01 de novembro de 2019.
Carmen Eliza Bastos de Carvalho
Promotora de Justiça
Membro do GAECO”.