Uma advogada criminalista de 50 anos foi brutalmente assassinada a tiros dentro de casa no interior da Bahia, em um crime que levanta suspeitas de envolvimento direto de facções criminosas rivais. Maria das Graças Barbosa dos Santos, conhecida como “Doutora Gal”, foi morta na madrugada de 24 de fevereiro, em Ipiaú (sul do estado), após homens armados invadirem sua residência. Informações preliminares indicam que a execução teria sido encomendada pelo Comando Vermelho (CV) em retaliação à atuação da vítima na defesa de membros do Primeiro Comando da Capital (PCC). A Polícia Civil investiga o caso sob sigilo, enquanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) cobra respostas e alerta para os riscos que o episódio representa no cenário da segurança pública.
Identidade e histórico profissional da vítima
Maria das Graças Barbosa dos Santos, natural de Ipiaú, tinha 50 anos e era uma advogada criminalista com atuação destacada na região. Nas redes sociais, onde mantinha um perfil verificado com cerca de 15 mil seguidores, era conhecida pelos apelidos profissionais “Doutora Gal” ou “Gal Barbosa”. Apresentava-se como especialista em Júri Popular, possuía título de mestre em Direito do Trabalho e presidia uma comissão de defesa dos direitos dos animais. Solteira e sem filhos, ela se dedicava também ao acolhimento de animais abandonados – criava aproximadamente 30 cães e gatos resgatados em sua propriedade. Admirada por uns e vista com reservas por outros, Dra. Gal frequentemente compartilhava momentos de sua rotina jurídica online, celebrando habeas corpus obtidos com a frase de efeito “Lili Cantou” para indicar a liberdade de clientes envolvidos em casos complexos.
Envolvimento com facções criminosas (PCC e CV)
Profissionalmente, Maria das Graças atuava principalmente na defesa de indivíduos acusados de crimes ligados ao crime organizado, em especial integrantes do PCC. Entre seus clientes estava Marcos Antônio dos Santos Chaves, conhecido pelos apelidos “Juca” ou “Playboy”, apontado pela polícia como uma das lideranças do PCC no sul da Bahia. Juca foi preso em 6 de fevereiro durante a OperaçãoAlta Potência – uma ação conjunta das forças de segurança – por suspeita de tráfico e atuação em diversos municípios baianos. A advogada chegou a viajar até Santa Catarina dias antes do crime para acompanhar o caso de Juca, detido fora do estado. Segundo investigadores, esse cliente exercia papel-chave na guerra contra a expansão do CV em Ipiaú e cidades vizinhas, contexto que teria envolvido Maria das Graças numa rivalidade latente entre as duas maiores facções criminosas do país.
Relatos de policiais ouvidos pela imprensa sob anonimato sugerem que a atuação da advogada extrapolava a relação profissional convencional. Fontes da Polícia Civil afirmam que, nos corredores da delegacia, ela era “vista como uma integrante do PCC”, por vezes exaltando e defendendo com veemência seus clientes ligados à facção paulista. Esse comportamento teria chamado a atenção e a ira de membros do Comando Vermelho, facção de origem carioca que disputa território com o PCC. De acordo com esses relatos, membros do CV podem ter interpretado as ações de Maria das Graças como provocações ou desafio direto, já que ela atuava em favor de seus rivais. Essa hipótese levou os investigadores, inicialmente, a trabalhar com a suspeita de que a ordem para executá-la partiu do CV, possivelmente como retaliação por seu envolvimento próximo com criminosos do PCC.
Circunstâncias do crime: local, data e modus operandi
O crime ocorreu na madrugada de segunda-feira, 24 de fevereiro, por volta de 1h, na residência da advogada, situada na Rua Francisco José de Souza, bairro Senhora Aparecida, em Ipiaú. Homens armados invadiram a casa enquanto Maria das Graças dormia, segundo informações da Polícia Civil. Despertada pelos latidos dos cães que ela criava, a vítima tentou fugir pelos fundos da residência – saiu às pressas, vestindo-se às pressas e ainda seminua, de acordo com fontes da investigação. Ela correu para a rua, mas foi alcançada a poucos metros, próximo ao carro de um vizinho, onde os criminosos a executaram a sangue-frio. Várias cápsulas de munição de fuzil e de pistola calibre .380 foram encontradas no local, evidenciando o uso de armas de grosso calibre na ação. O corpo da advogada ficou caído na via pública até a chegada das autoridades. Moradores, assustados, chamaram a Polícia Militar, que isolou a área e acionou o Departamento de Polícia Técnica para realizar a perícia e recolher o corpo para necropsia.
Testemunhas relataram ter visto dois suspeitos fugindo de carro logo após os disparos. As características do modus operandi – invasão residencial de madrugada, emprego de armamento pesado e fuga com veículo posteriormente incendiado – sugerem um crime planejado e executado por grupo organizado. Na manhã do dia seguinte (25), investigando pistas, a Polícia Civil localizou o veículo utilizado na fuga: o automóvel foi encontrado carbonizado às margens de uma estrada vicinal no povoado de Tesourinhas, zona rural de Ibirataia, município vizinho a Ipiaú. O carro queimado, totalmente destruído pelo fogo, foi recolhido para perícia em busca de quaisquer vestígios (como numeração de chassi, projéteis ou DNA) que possam ajudar a identificar os executores. Esse artifício de queimar o veículo após o delito é comumente usado por criminosos para eliminar evidências e dificultar o rastreamento pela polícia, reforçando a suspeita de se tratar de uma ação de pistolagem ligada a facções.
Investigações: autoridades, suspeitos e motivações
O caso está sob responsabilidade da Delegacia Territorial de Ipiaú, cujo titular, delegado Isaías Neto, afirmou que as investigações estão em andamento e nenhuma hipótese está descartada. Logo após o crime, a principal linha investigativa apontava para um acerto de contas ordenado pelo Comando Vermelho, em retaliação direta à atuação da advogada em favor do PCC. Essa versão ganhou força inicial por conta do histórico de Maria das Graças com clientes da facção rival do CV e dos indícios de atuação coordenada de criminosos na execução. No entanto, com o avanço das apurações, surgiram outras possíveis motivações sob análise.
Investigadores avaliam, por exemplo, a hipótese de um conflito interno relacionado ao próprio PCC. Fontes policiais revelaram à imprensa que, além da vingança do CV, considera-se se a advogada poderia ter sido eliminada pela facção que servia. Entre as possibilidades levantadas estariam uma “queima de arquivo” – caso ela tivesse “informação demais” sobre as operações do grupo – ou até uma punição por suposta traição, no cenário de Maria das Graças ter, eventualmente, repassado informações sigilosas ao CV sobre seus clientes. Uma das teorias sugere que membros do PCC desconfiaram que ela teria revelado o paradeiro de Juca (seu cliente e líder local do PCC) às autoridades ou a rivais, precipitando sua prisão. Essa desconfiança interna poderia ter selado seu destino pelas mãos daqueles que ela representava, numa armação da própria facção para silenciá-la. Ressalta-se que tais linhas investigativas ainda não passam de hipóteses em apuração – não há conclusão oficial sobre a motivação exata do crime.
Até o momento, nenhum suspeito foi publicamente identificado ou preso. Equipes da Polícia Civil seguem realizando diligências, colhendo depoimentos de familiares, vizinhos e possíveis testemunhas oculares. O delegado Isaías Neto/Pereira (conforme citado em diferentes fontes) mantém sigilo para não comprometer a investigação, mas confirmou à imprensa local que a prioridade é identificar os autores e mandantes do homicídio e entender sua motivação. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) foi acionada para dar apoio, e não se descarta a participação de unidades especializadas no combate ao crime organizado no caso, dada a possibilidade de envolvimento de grupos de facção com atuação interestadual.
Repercussão na mídia e declarações oficiais
O assassinato da advogada repercutiu fortemente na Bahia e em todo o país, gerando preocupação entre profissionais do Direito e autoridades. Veículos de imprensa destacaram a ousadia do crime e a suspeita de motivação ligada a facções criminosas, algo raro em casos envolvendo advogados. A notícia foi manchete em portais baianos como BNews e Correio – este último revelando detalhes da possível ligação da vítima com o PCC e a retaliação do CV. No mesmo dia, o caso chegou à imprensa nacional: jornais como A Tarde publicaram as informações básicas do crime, enquanto outros veículos repercutiram a possibilidade de ameaças prévias contra a advogada por parte de criminosos. Em pouco tempo, o nome “Doutora Gal” tornou-se associado a debates sobre os limites da atuação advocatícia em meio à guerra do tráfico, e a segurança de advogados criminalistas passou a ser questionada em fóruns profissionais.
A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Bahia (OAB-BA), reagiu prontamente. Em nota oficial, a entidade lamentou o ocorrido e expressou indignação. “Lamentamos a morte da nossa colega e repudiamos este crime bárbaro contra a advocacia. A OAB Bahia cobrará uma apuração profunda para que os responsáveis sejam punidos na forma da lei”, declarou a presidenta da OAB-BA, Daniela Borges. A instituição informou ter solicitado à SSP-BA celeridade na investigação e designado representantes da Comissão de Prerrogativas para acompanhar de perto as apurações. O presidente da OAB subseção Ipiaú, Paulo César Júnior, também manifestou solidariedade e reforçou que a entidade local está atenta aos desdobramentos do caso.
Paralelamente, a OAB-BA saiu em defesa da reputação da advogada assassinada frente às insinuações de vínculo direto com o PCC divulgadas por algumas reportagens. Em um posicionamento público, a Ordem ressaltou “que é preciso, antes de mais nada, não confundir a advogada com o réu”. A nota frisou que advogados criminalistas atuam na defesa dos acusados como uma garantia constitucional, o que não os torna cúmplices dos crimes supostamente cometidos por seus clientes. A entidade esclareceu que não havia nenhuma denúncia ético-disciplinar contra Maria das Graças no desempenho de sua profissão, e condenou a “criminalização da advocacia” com base apenas em relatos não comprovados. Esse pronunciamento da OAB veio após a publicação de matérias citando fontes anônimas da polícia que insinuavam envolvimento da advogada com facções – situação que a Ordem classificou como “um retrocesso perigoso e uma ameaça ao estado democrático de direito” caso venha a contaminar a opinião pública.
Desdobramentos e impactos na segurança pública
A execução da Dra. Gal acendeu um alerta vermelho no cenário da segurança pública baiana. O crime evidenciou que a disputa entre PCC e CV, historicamente travada nos presídios e grandes centros, também está entranhada no interior da Bahia, trazendo consigo um rastro de violência e intimidação. Nos últimos anos, autoridades já vinham notando uma escalada de confrontos entre essas facções em municípios do sul e sudoeste baiano. A morte de uma advogada – profissional que atua como ponte entre acusados e o sistema de Justiça – expõe um novo patamar de afronta: indica que integrantes do crime organizado podem estar dispostos a atacar representantes do sistema legal para impor medo e enfraquecer a defesa de seus inimigos. Este ataque inédito contra a advocacia na região chocou a classe jurídica local e gerou clamor por medidas de proteção.
Em termos de investigação, o caso prossegue como prioridade. A descoberta do veículo carbonizado e a coleta de cápsulas balísticas no local do assassinato podem fornecer pistas valiosas para identificar a autoria. Espera-se que eventuais laudos periciais (como impressões digitais, DNA ou trajetórias de disparos) esclareçam a dinâmica e auxiliem na identificação dos executores, permitindo à polícia fechar o cerco sobre os mandantes. A prisão do líder do PCC local semanas antes do crime, em operação federal, pode ter desestabilizado temporariamente a estrutura da facção na região. Analistas de segurança não descartam que o vácuo de poder ou desejo de vingança após essa prisão tenha catalisado o assassinato da advogada – seja pelo CV eliminando uma aliada do rival, seja por uma queima de arquivo interna diante de suspeitas de delação. Ambos os cenários refletem um ambiente de alta periculosidade, em que acertos de contas ocorrem sem limites, ampliando o desafio para as forças de segurança.
As consequências do caso já mobilizam autoridades estaduais. A SSP-BA, instada pela OAB e pela repercussão negativa, deve intensificar ações de inteligência no combate às facções no interior. Forças-tarefa como a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), responsável pela prisão de “Juca” semanas atrás, tendem a ser fortalecidas para sufocar as atividades do PCC e CV na região. Ao mesmo tempo, a proteção a profissionais da Justiça entrou em pauta: a OAB cobra não apenas solução para este crime, mas também garantias de segurança para advogados que atuam em casos de alto risco. Em nota, a entidade salientou que crimes como este atentam contra o livre exercício da advocacia e, por extensão, contra o próprio Estado de Direito.
Enquanto a investigação busca respostas, o clima em Ipiaú é de apreensão. O enterro de Maria das Graças ocorreu sob forte comoção no Cemitério Jardim da Saudade II, na tarde do próprio dia 24, reunindo familiares, amigos e diversos colegas advogados em luto. Para a comunidade local, a advogada era conhecida não só por sua atuação jurídica, mas também pelo trabalho social de resgate de animais – uma figura ativa cuja ausência repentina deixa perplexidade e medo. Este crime brutal e seus desdobramentos ressaltam a necessidade de uma resposta firme do Estado. Seja desvendando rapidamente a autoria e motivação do homicídio, seja redobrando esforços para conter a influência de facções na região, autoridades e sociedade civil estão diante de um caso emblemático que testará a eficiência das instituições no enfrentamento ao crime organizado e na proteção daqueles que operam nos linha de frente da Justiça.