Fuzis somem sem deixar rastro. Informantes aparecem mortos. Um delegado de alta patente é afastado do cargo. Uma operação policial que deveria combater o crime em Lauro de Freitas revelou-se, na verdade, um possível esquema de corrupção que abalou a estrutura da segurança pública baiana. O delegado Nilton Tormes foi removido da coordenação do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom) após seu nome surgir em denúncia que investiga o desvio de 14 fuzis e a execução de duas pessoas que revelaram o esconderijo das armas.
Na sexta-feira (21), a Corregedoria da Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensão no Depom e na residência do delegado, localizada no bairro da Pituba, em Salvador. Os agentes apreenderam um computador e um pendrive na sala de Tormes, além de um celular em sua casa. O afastamento foi acordado com a delegada-chefe, Heloisa Brito, mas ainda aguarda publicação no Diário Oficial.
“Ele será afastado apenas do cargo de comissão e continuará exercendo a função de delegado. Só não sei para onde ele vai”, revelou uma fonte da Polícia Civil ao Correio 24 Horas. Outra fonte próxima a Tormes, contudo, nega o afastamento.
A investigação concentra-se no sumiço de armamentos durante uma operação realizada em julho de 2024, no bairro do Caji, em Lauro de Freitas. Após informações sobre armas escondidas em uma área de mata, oito agentes do Depom e da Coordenação e Operações e Recursos Especiais (CORE), incluindo o delegado Tormes, dirigiram-se ao local com autorização da delegada-chefe.
Operação original e contradições
Na ocasião, a ação foi divulgada como bem-sucedida, com a apreensão oficial de seis fuzis, uma submetralhadora, mais de mil munições, 10 kg de pasta-base de cocaína e dois coletes balísticos. Entretanto, evidências posteriores indicaram que o arsenal seria muito maior: pelo menos 20 armas estariam no local, além de pistolas, joias e dinheiro que nunca foram apresentados oficialmente.
“O CORE afirma que o que foi recolhido é o que foi apresentado. A operação foi à noite, numa mata fechada e ninguém sabia ao certo a quantidade de fuzis”, justificou uma fonte ouvida pela reportagem.
Mortes misteriosas e extorsão
A trama ganhou contornos ainda mais graves quando veio à tona que Jeferson Sacramento Santos e Josenal Santos Souza, os dois homens que informaram a localização das armas à PM, foram sequestrados e mortos em uma aparente “queima de arquivo”. Ambos teriam envolvimento com atividades criminosas, segundo as investigações.
O caso começou a ser descoberto quando a esposa de um dos homens assassinados procurou a Delegacia Especializada em Antissequestro, denunciando estar sendo vítima de extorsão por parte de policiais militares. Esta denúncia foi o ponto de partida para as investigações nas corregedorias das polícias Civil e Militar.
Envolvimento de outros policiais
Além do delegado Tormes, um cabo da Polícia Militar lotado no Departamento Estadual de Trânsito (Detran-BA) também é investigado e teve mandados cumpridos em sua residência. De acordo com as apurações, o militar seria o intermediário que repassou as informações sobre a localização das armas para o delegado.
“Quem passou as informações para o delegado foi o cabo (do Detran). Ele conhecia Nilton e fez a ‘ponte’. Ele conhece outros policiais militares, que passaram o ‘informe'”, explicou a fonte.
Operação em fases
Esta já é a segunda fase de uma operação mais ampla. Em 29 de agosto de 2024, a primeira fase resultou na prisão de um capitão do Departamento Pessoal, um soldado da 37ª CIPM/Liberdade e um PM da reserva, todos investigados por extorsão mediante sequestro. As prisões ocorreram nos bairros de Brotas, Nova Brasília, Itapuã, e em Caji.
A atual etapa da operação é coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) do Ministério Público da Bahia, com apoio das corregedorias de ambas as polícias. No total, foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão, incluindo o Depom, o Detran-BA, um estabelecimento comercial em Stella Maris e as residências dos investigados.
Em nota oficial, a Polícia Civil da Bahia afirmou que “confirma ter realizado o cumprimento de um mandado de busca visando apurar denúncias sobre conduta irregular de policiais” e que “as investigações continuam em sigilo visando total esclarecimento dos fatos”. A reportagem procurou o delegado Nilton Tormes, mas ele preferiu não comentar o caso.