Um jovem de 21 anos, que mora em Araci, na região nordeste do estado, disse que a esposa, de 20 anos, entrou em estado vegetativo após ter o útero retirado durante o parto do filho no hospital do município. A prefeitura da cidade, responsável pela unidade de saúde, nega que o órgão tenha sido retirado durante o procedimento, e afirma que os médicos se limitaram apenas a realizar o parto.
Gean Guimarães da Silva diz que a mulher, Mirene Santos da Silva, teve o bebê no dia 20 de julho de 2018, quando tinha 19 anos. Ele conta que os exames de pré-natal não detectaram nenhum problema com ela e o bebê e apontaram que a gravidez seria normal.
Os parentes de Mirene decidiram relatar o caso à imprensa somente agora, oito meses após o parto, porque também reclamam da assistência prestada à jovem atualmente pela prefeitura municipal.
No dia do parto, segundo Gean, Mirene levou todos os documentos para o hospital e os médicos disseram que ela estava bem.
“Levamos tudo, o ultrassom, os exames, todos feitos na rede particular. Ela não tinha nenhum problema de saúde. A gente chegou no hospital, às 3h40 da madrugada, após ela sentir dores, e, às 6h, eles falaram que ela estava bem. A gente não pôde acompanhar. Às 8h, a enfermeira disse que ela já estava na mesa do parto, mas, pelo que percebemos, o parto demorou muito. Toda hora eles chegavam dizendo que a criança iria nascer e nada. Somente as 10h25 informaram que ela tinha ganhado o neném. Ela passou quase 2h ou mais na sala de parto e a gente estranhou”, disse o marido.
Depois do parto, segundo ele, um enfermeiro foi até onde os familiares aguardavam e disse que Mirene precisava de um novo ultrassom.
“O enfermeiro que ajudou o médio que fez o parto chegou para a gente e disse que tinha ficado com um pedaço da placenta na barriga e que era para fazer um novo ultrassom. Ele veio todo calmo, mas quando a gente foi até a sala de parto vimos uma correria, uma agonia toda. A gente perguntou o que tinha ocorrido e descobrimos que o médico tinha puxado a placenta dela e veio com o útero e tudo. Por conta disso, ela começou a ter uma intensa hemorragia. Na minha opinião, isso foi por negligência, porque minha mulher não tinha nenhum problema”, afirmou Gean.
Depois, segundo o marido, a jovem foi encaminhada às pressas para o Hospital Estadual da Criança (HEC), em Feira de Santana.
“Antes deles colocarem ela no carro, ela disse assim para a mãe dela, que estava acompanhando a gente no dia dia parto: ‘mãe, eles me machucaram muito’. Na viagem, ela foi consciente, conversando normal, mas perdendo muito sangue. Quando chegou em Feira, ela foi encaminhada direito para a sala de cirurgia. Ela deu uma parada cardíaca por 10 minutos, os médicos conseguiram reanimar ela, mas ela já não voltou a mesma pessoa”, disse.
Conforme Gean, Mirene entrou em estado vegetativo na unidade médica de Feira. A jovem ficou internada no HEC por seis meses. Jordan, o bebê deles, não ficou com nenhuma sequela e é uma criança saudável.
“Em Feira, os médicos disseram que a gente tinha agora que esperar por um milagre, porque o quadro dela não tem volta. Aí, depois de seis meses, mandaram ela para casa. É um estado vegetativo. Hoje, ela só abre o olho e chora. Não mexe perna, não mexe braços”, afirma.
O G1 procurou a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) para que pudesse falar sobre a internação da jovem no HEC, mas o órgão disse que, cumprindo determinação do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Ministério Público, não fornece o estado de saúde e informações de pacientes internados na rede de assistência estadual.
Gean diz que, atualmente, a jovem precisa de cuidados domiciliares durante 24h, mas que não está tendo essa assistência por parte da prefeitura.
“Os cuidados que a prefeitura oferece não suficientes. Ela precisa ser acompanhada durante todo o dia, mas não é assim. A prefeitura contratou uma empresa de saúde pra fazer esse atendimento em casa, mas só tem enfermeiro três dias por semana, terapeuta três dias por semana e médico uma vez só por mês”, diz Gean, que atualmente mora com a mulher em uma casa alugada pela prefeitura em Araci.
Versão da prefeitura
A prefeitura de Araci publicou uma nota na página oficial no Facebook, na quinta-feira (21). O comunicado destaca que o hospital municipal “não realizou o procedimento de retirada do útero da paciente, tendo se limitado a realizar o parto normal”. Destaca que a “complicação que a teria deixado a paciente em estado vegetativo não ocorreu durante o parto, nem no hospital de Araci”.
Segundo a prefeitura, após o parto, e jovem apresentou um “sangramento anormal” e, por isso, foi imediatamente transferida para a unidade Obstétrica do Hospital Estadual da Criança (HEC), na cidade de Feira de Santana, que é a referência regional para casos desta natureza.
“Registra-se que entre a identificação de anormalidade e a saída da paciente da unidade passaram-se cerca de 20 minutos, tendo neste período a equipe de Saúde realizado os procedimentos necessários e indicados pela literatura médica. A paciente saiu do hospital acompanhada por um profissional médico e enfermeiro, consciente, em condições clínicas favoráveis, inclusive conversou com os familiares”, diz trecho da nota.
A prefeitura disse, ainda, que “no Hospital da Criança, Conforme Divulgação da Família nas Redes Sociais, diagnosticou-se “Inversão Uterina Aguda”, que é uma emergência obstétrica extremamente rara, grave e com elevada taxa de mortalidade materna”.
A Secretaria Municipal de Saúde de Araci disse que só foi informada sobre o quadro da paciente quando contatada pelo HEC para provimento do atendimento domiciliar para a jovem.
“No mês de janeiro de 2019, o HEC contactou a Secretaria Municipal de Saúde para que a paciente pudesse ser tratada em casa. De pronto, a gestão municipal realizou as articulações e criou as condições para que a mesma retornasse ao lar e que tivesse assistência domiciliar adequada. A responsabilidade pelo cuidado, via relação contratual com o Governo do Estado da Bahia, ficou a cargo da Empresa de home-care chamada Anjos do Lar”.
O G1 entrou em contato com a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) para que possa falar, também, sobre a assistência prestada atualmente à jovem e aguarda um retorno.
A Prefeitura de Araci ainda diz que “em nenhum momento a família procurou a administração municipal para se queixar da conduta de profissionais ou do atendimento prestado, tendo tal fato surgido no mês de março de 2019, através das redes sociais e de publicações em sites de notícias locais”.
Ainda afirma que “Está sendo instaurado o procedimento administrativo cabível para a apuração de responsabilidades e tomada das providências cabíveis”.