Polícia vê ‘plano de marketing’ em misterioso sumiço de jovem do Acre

A Polícia Civil do Acre apreendeu nesta quarta-feira (31) contratos feitos entre Bruno Borges, 25, jovem desaparecido desde o fim de março, e seus amigos prevendo a distribuição de lucros pela venda dos 14 livros que o estudante de psicologia deixou criptografados.

Os documentos foram encontrados na casa de um dos amigos, Marcelo Ferreira, 25, que chegou a ser detido, mas deve ser liberado ainda nesta quarta. Ele e Márcio Gaiote, outro amigo, responderão a inquérito por falso testemunho segundo o delegado Alcino Júnior, responsável pelo caso.

Na casa de Márcio, que vive atualmente na Bahia, a polícia encontrou há cerca de dez dias a cama e um móvel do quarto de Bruno. Antes de sumir, o jovem se desfez da mobília e ornamentou o quarto com inscrições e símbolos, além de uma estátua do filósofo italiano Giordano Bruno. Os amigos de Bruno, segundo a investigação, o auxiliaram no seu projeto e não contaram tudo o que sabiam à polícia. "Os dois estavam seguindo o plano de divulgação para a mídia dessas obras", disse Júnior à reportagem.

 O delegado afirmou também que, em conversas de WhatsApp, os dois comentavam a ampla divulgação do caso e diziam que iam ficar ricos. "Eles estão surfando nessa onda para ganhar dinheiro. Quem sabia que o Bruno ia sumir para dar esse ibope todo para a divulgação e depois publicação eram eles", disse Júnior.

O delegado afirma que, com a nova apreensão, ficou claro que não há crime por trás do sumiço do rapaz. "A ideia era esclarecer se tinha ou não um crime relacionado a esse desaparecimento. Hoje a gente põe uma pá de cal em cima disso. A localização dele agora é bastante secundária, até porque não é crime querer desaparecer. A gente tem interesse em achá-lo, mas não é uma prioridade."

"Esse desaparecimento tinha fortes indícios de que tinha o objetivo mesmo de um plano de marketing", completou Júnior.

O delegado afirmou ainda que a polícia não tem mais obrigação de localizar Bruno, mas vai continuar a busca para esclarecer detalhes do caso.O contrato com Marcelo prevê que o amigo receba 15% do "faturamento bruto do Projeto Enzo e das 14 literaturas iniciais que farão parte do lançamento do projeto".

O pagamento seria feito todo dia 10 de cada mês. Para Márcio, seriam destinados 5%. O primo de Bruno, Eduardo Borges, que lhe emprestou R$ 20 mil para a empreitada, ficaria com outros 15%.

O contrato foi redigido no dia 10 de março e teve a firma reconhecida por Bruno no dia 27 daquele mês, data em que desapareceu. Um das cláusulas afirma que "o evento será inaugurado e lançado até o final do mês de abril de 2017".

"Todo o lançamento do projeto será feito pelo autor e da maneira que julgar necessária", diz ainda o documento, que proíbe rescisão.

Na casa de Marcelo, a polícia também encontrou maconha e, por isso, o jovem ficou detido na delegacia. À época do desaparecimento, o amigo, que ajudou Bruno a decorar seu quarto, afirmou à Folha que o jovem chegou a ficar sem comer. "Ele trabalhou vorazmente, não comia em alguns dias que escrevia nas paredes, teto, chão e móveis. Isso veio através de uma experiência mística que Bruno obteve em um ecstasy divino."

Familiares contestam

Nas redes sociais, familiares de Bruno rechaçaram a conclusão de que o desaparecimento foi uma jogada de marketing e afirmaram que o lançamento do primeiro livro ocorrerá em breve.

"Desde o desaparecimento soubemos do contrato, e isso nunca nos disse muita coisa a respeito. Até porque, para que os planos do Bruno deem certo, ele precisa de dinheiro. Afinal, não dá pra construir hospitais e ajudar quem precisa só com amor no coração. Então nem comecem com nhenhenhe!! Qual o problema ele fazer um contrato para ajudar amigos que o ajudaram?", escreveu Gabriela, irmã do jovem.

"Me tranquei no quarto sem comer, sem dormir e sem falar para que eu pudesse assimilar bem o conteúdo destes livros e saber onde Bruno Borges queria chegar ou o que ele queria nos passar.

Então eu digo com respeito a todos que os livros não são uma jogada de marketing", afirmou a mãe dele, Denise Borges. Segundo o delegado, Denise prestou queixa de furto em relação aos móveis do quarto do filho.

 O CASO

O sumiço de Bruno Borges gerou grande repercussão uma série de teorias. Amigos próximos tinham conhecimento do seu plano de escrever obras de filosofia e do seu desejo de se isolar. Bruno é descrito como um rapaz inteligente, que lia muitos livros e pretendia doar o que ganhasse com sua obra.

A retirada dos móveis, as inscrições na parede, assim como a chegada da estátua, ocorreram em pouco mais de 20 dias, período em que o quarto ficou trancado e os pais viajavam de férias.