Um novo capítulo na história do crime organizado brasileiro está sendo escrito. Enquanto o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) selam uma paz histórica, uma terceira força emerge das sombras. O Terceiro Comando Puro (TCP), facção originária do Rio de Janeiro, está conquistando territórios em velocidade alarmante e já fincou suas bases na Bahia, onde se aliou a grupos locais e estabeleceu uma presença que preocupa autoridades de segurança pública.
A nova configuração do crime organizado
A aliança entre as duas maiores organizações criminosas do país foi oficialmente firmada em 25 de fevereiro de 2025, data descrita como “histórica” em comunicados que circularam em presídios e comunidades de vários estados. “A partir de hoje, 25/02/2025, data essa histórica, o CV e o PCC estão colocando fim a esta guerra e refazendo uma nova aliança de PAZ, JUSTIÇA, LIBERDADE E FRATERNIDADE”, dizia um dos comunicados internos obtidos pelo G1.
A confirmação definitiva da trégua veio quando 37 presos do PCC solicitaram transferência para cadeias que abrigam criminosos do Comando Vermelho no Rio de Janeiro, segundo informações dos setores de inteligência das Secretarias de Segurança Pública e de Administração Penitenciária.
Esta aproximação não se limita apenas às questões territoriais. Um relatório do Ministério da Justiça e Segurança Pública revelou que as duas facções estabeleceram uma sofisticada estrutura conjunta para lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e aquisição de armamentos de guerra.
“O Comando Vermelho passou a usar essa sofisticação que o PCC já tem há muito tempo, que é dominar a lavagem de dinheiro e o uso estratégico dessas movimentações financeiras”, afirmou Victor dos Santos, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro.
A ascensão do Terceiro Comando Puro
É neste cenário de reaproximação entre os antigos rivais que o Terceiro Comando Puro encontrou espaço para crescer. A facção carioca tem expandido sua influência principalmente em Minas Gerais, Ceará, Bahia e Espírito Santo, utilizando uma estratégia de alianças com grupos criminosos locais.
“Se você não tem mais como se aliar ao PCC contra o CV, a opção é o TCP”, avalia o pesquisador Roberto Uchôa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.1 Esta análise explica perfeitamente o movimento da facção baiana Bonde do Maluco (BDM), que rivaliza com o CV em Salvador e outras regiões do estado, e que agora firmou aliança com o TCP.1
Levantamentos recentes indicam que o TCP é a facção que detém maior saldo de conquistas territoriais no Rio de Janeiro, apesar da maior área dominada ainda pertencer ao CV. O professor Daniel Hirata, pesquisador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), destaca que um diferencial importante do TCP é sua capacidade de estabelecer alianças com milícias.
“É uma facção que tem desde sempre essa plasticidade. No CV isso acontece de forma absolutamente circunscrita, como na Gardênia Azul. Com o TCP isso é mais frequente. Em outros estados, é uma vantagem para negociar com facções locais”, explica Hirata.
A chegada à Bahia e o conflito local
Na Bahia, a aliança entre o TCP e o BDM já se materializa em pichações nos muros de comunidades. Em Nova Brasília, na região da Estrada Velha do Aeroporto, por exemplo, as siglas comprovando a união entre as duas facções já podem ser vistas facilmente.1
Um ponto interessante é que, na Bahia, a trégua nacional entre PCC e CV parece não ter efeito prático. “O PCC tem atuação em todo o Brasil, mas segue os líderes de São Paulo. Já o Comando Vermelho, não é assim. Cada estado tem a sua autonomia. Ou seja, o CV na Bahia é independente do Comando Vermelho do Rio de Janeiro”, explica Lincoln Gakiya, promotor de justiça e integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPE-SP.
A tensão permanece alta. Em 17 de março de 2025, dois homens morreram e outro ficou ferido durante confronto entre BDM e CV em Fazenda Coutos, Salvador, evidenciando que a disputa territorial segue intensa apesar das alianças nacionais.
A sofisticação financeira das facções
A Polícia Civil do Rio de Janeiro, em uma operação considerada a maior da história contra o núcleo financeiro do Comando Vermelho, revelou que PCC e CV movimentaram cerca de R$ 6 bilhões em apenas um ano, utilizando empresas de fachada e fintechs.
“As duas organizações utilizavam o mesmo banco digital, a mesma fintech, para movimentar o dinheiro oriundo das atividades criminosas. O dinheiro passava por essa instituição e, em seguida, era pulverizado”, explicou Felipe Curi, secretário de Polícia Civil do Rio.
A cooperação entre CV e PCC é descrita pela Polícia Civil como uma “aliança estratégica e logística”, com foco principal na aquisição de drogas, armas e munições a partir do dinheiro lavado. “Não há disputa territorial envolvida. O PCC não pretende atuar nas comunidades do Rio. A aliança é puramente estratégica”, destacou Curi.
A nova dinâmica do crime organizado brasileiro aponta para uma reconfiguração que vai além das disputas territoriais tradicionais. Enquanto as duas maiores organizações criminosas do país estabelecem novos parâmetros de cooperação, o Terceiro Comando Puro aproveita o momento para expandir sua área de influência, levando sua estrutura e metodologia para estados onde ainda não atuava com força.