A água não pode ser tratada como um produto de mercado, e sim como um bem comum, um meio de sobrevivência, e seu acesso para o consumo deve ser universal. Esse foi o enfoque dominante entre os participantes do Colóquio Latino-Americano Água, Vida e Direitos Humanos promovido neste domingo (18) pelo Ministério Público Federal em parceria com o Senado.
Ao abrir as discussões, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, reforçou a ideia de que Parlamento, Justiça, governo e sociedade devem lutar pelo direito de todos ao acesso à água potável. Ela reconheceu que o Brasil tem uma das legislações mais avançadas na temática da água, expressa na Constituição, no Código Brasileiro de Águas, no Código do Consumidor e na legislação ambiental. Para Dodge, o Brasil está preparado para resolver conflitos, mas é preciso que se trate do principal deles:
– É o conflito sobre o mínimo existencial para cada um sobreviver. A água para cada um de nós é suficiente? Tem sido garantida nas legislações? Muito importante que aproveitemos o 8º Fórum Mundial da Água pra quem sabe sermos pioneiros para o mundo nesse tratamento da Água como um direito humano – conclamou a procuradora.
O presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas e da subcomissão que acompanha o 8º Fórum Mundial da Água, senador Jorge Viana (PT-AC), lembrou que a Organização das Nações Unidas somente estabeleceu a água como direito humano em 2010. Para Viana, é preciso um esforço global de valorização da água para a dignidade humana. E O maior desafio, no caso do Brasil, além da legislação, é implementar ações e garantir mais recursos.
– O desafio que temos também são os investimentos, que praticamente cessaram nos últimos três anos, na área de saneamento e captação de água potável. Tecnologia nós dispomos, leis boas, nós temos, mas, na prática, o mundo segue piorando do ponto de vista do acesso à água de qualidade e o perigo é de nós termos aí mais um produto. Tudo aquilo que é essencial pra vida não pode virar uma simples mercadoria – defendeu Viana.
Também presente ao Colóquio, o senador Roberto Muniz (PP-BA) disse que o saneamento e o acesso à água de qualidade foram os maiores avanços da humanidade para a redução da mortalidade e aumento da expectativa de vida, mas lamentou a desigualdade no acesso à água.
– Nós vivemos um paradoxo da abundância, ninguém consegue entender como num país que possui 12% da água doce do mundo se vive uma crise hídrica. Vivemos um verdadeiro apartheid social – comparou.
Já o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) lembrou as responsabilidades de cada um, e disse que o direito à água vai continuar não existindo se não for passado às futuras gerações a responsabilidade de cada um sobre a economia de água.
Direito humano
O ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha, citou o saneamento como questão fundamental no debate sobre acesso à água. E pediu empenho do Congresso Nacional na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 4/2018) que estabelece o acesso à água como um direito fundamental humano.
– Nossa Constituição hoje estabelece uma série de direitos como o à saúde, ao lazer, à vida, mas não determina o acesso à água como direito fundamental. Mas sem água, não há saúde, não há lazer, não há vida – disse.
Na visão da Diretora de Direito, Política e Governança Ambiental da Organização dos Estados Americanos, Claudia Windt, o Brasil possui muitas leis boas e o grande desafio é implementá-las. Para ela, água é um bem, um recurso e um serviço. Já a Senadora mexicana e presidente da União Interparlamentar, Gabriela Cuevas, lembrou dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, adotados em 2015. Um deles trata do dever da comunidade internacional de assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos.
Carlos Teodoro Irigaray, professor da Universidade Federal do Mato Grosso, elogiou o empenho do Brasil em debater e avançar em leis sobre o direito à água, mas receia que isso não seja suficiente para frear retrocessos. Ele lembrou que apesar de o Brasil ser um país com abundância de água, 2/5 da população não têm saneamento básico e 10% não tem acesso à água de qualidade. Irigaray citou ainda o uso abusivo de agrotóxicos que contaminam as águas e a população, além de desastres ambientais gerados por mineradoras, como o que ocorreu pela mineradora norueguesa Hydro Alunorte, na cidade de Barcarena, na região metropolitana de Belém.
– Isso certamente não aconteceria na Noruega. Precisamos barrar as falhas de licenciamento ambiental – propôs.
Segundo a promotora do Ministério Público da Bahia, Luciana Koury, a crise hídrica não é ocasionada apenas pela escassez de chuvas. A degradação e a flexibilização do licenciamento ambiental, geram ainda maiores problemas para o efetivo acesso à água. Já o professor da Universidade de Buenos Aires, Argentina, Pablo Lorenzetti, ressaltou a necessidade de limitar o valor das tarifas de água. Ele citou um decreto editado pelo governo argentino em 2014, que aumentou o valor da tarifa de água em 180%. A sociedade reagiu e o decreto foi revogado.
Durante o Colóquio ainda foram ouvidos especialistas, magistrados e representantes de países como Equador, República Dominicana, Costa Rica e México. O Colóquio Latino-Americano Água, Vida e Direitos Humanos aconteceu na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.