Recomenda a adoção de medidas que assegurem o funcionamento dos Conselhos Tutelares de Glória, Paulo Afonso e Santa Brígida durante o estado de emergência decretado em razão da pandemia do novo coronavírus (COVID19).
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por promotor de justiça no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 129, II, da Constituição Federal; artigo 75, IV, da Lei Complementar 11/96; artigo 201, VIII e § 5º, “c”, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
CONSIDERANDO o disposto no artigo 127, caput, da Constituição Federal da República, no sentido de que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal, no art. 227, caput estabelece prioridade absoluta na proteção e efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, sendo dever institucional do Ministério Público zelar pelo acautelamento dos direitos e das garantias legais asseguradas às crianças e aos adolescentes, com a promoção, ex vi dos artigos 129, II, da Constituição Federa e 201, VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº8.069/90, das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
CONSIDERANDO o quanto preconizado no artigo 4° da Lei Federal n° 8.069/90, no sentido de que a garantia de prioridade compreende, entre outros aspectos, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade e ao respeito, inclusive com a prioridade quanto à primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias e precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
CONSIDERANDO que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (art. 5ª ECA), sendo dever de todos “velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (art. 18 do ECA);
CONSIDERANDO que o Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, conforme reza o artigo 131 do ECA;
CONSIDERANDO que o art. 134 do ECA prevê que lei municipal garantirá o funcionamento adequado do Conselho Tutelar em seu município, dispondo sobre o local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar;
CONSIDERANDO o caráter essencial do serviço prestado pelos Conselhos Tutelares, conforme artigos 131 a 137 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), cabendo ao Município prover as condições físicas e estruturais necessárias para assegurar o integral funcionamento dos Conselhos Tutelares, conforme disposições da Lei Municipal nº 523/2015 (Glória), da Lei Municipal nº 957/2003 (Paulo Afonso) e da Lei Municipal nº 17/2001 (Santa Brígida);
CONSIDERANDO as atribuições do Conselho Tutelar quanto à aplicação de medidas de proteção às crianças e adolescentes e medidas pertinentes aos genitores quando houver risco à integridade física, psíquica, emocional ou moral de crianças e adolescentes, conforme se infere da interpretação sistemática dos artigos 136, 101 e 129 da Lei nº 8069/90;
CONSIDERANDO que a Organização Mundial de Saúde – OMS, em 30/01/2020, declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – ESPII, dado o grau de avanço dos casos de contaminação pelo coronavírus, classificando-o, em 11/03/2020, como uma “pandemia”, cobrando ações dos governos compatíveis com a gravidade da situação a ser enfrentada;
CONSIDERANDO o quanto disposto na Lei Federal nº 13.979, de 06/02/2020, sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus;
CONSIDERANDO que o Decreto Legislativo nº 6/2020, promulgado pelo Congresso Nacional em 20/03/2020 (DOU-extra 20/03/2020, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm), reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia da COVID-19, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada pela Mensagem nº 93, de 18/03/2020;
CONSIDERANDO que o Decreto nº 19.549/2020, expedido pelo Governador do Estado da Bahia, publicado no DOE de 19 de março de 2020, declarou situação de emergência em todo o território baiano em virtude da pandemia da doença infecciosa viral nominada COVID-19;
CONSIDERANDO que dados divulgados pela Secretária Estadual de Saúde, através do “COVID-19” (Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br), registram que, até às 17 horas do dia 25/03/2020, a Bahia registrou 91 casos de infecção pelo novo coronavírus, sendo os números de casos suspeitos bem superior e dinâmicos, sofrendo reenquadramento da classificação na medida em que as investigações clínicas e epidemiológicas avançam;
CONSIDERANDO que diversos municípios baianos, seguindo as orientações das autoridades de saúde, emitiram normas regulamentadoras com o intuito de adotar medidas de combate ao contágio do novo coronavírus, com impacto direto no funcionamento de órgãos públicos e entidades privadas;
CONSIDERANDO o teor da recomendação expedida pelo CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, no dia 25/03/2020, para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia COVID-19, constando no item 7 do documento, in verbis, “que a permanência na família, na instituição ou na rua pode gerar inúmeras situações de violações de direito a exigir ações imediatas de intervenção protetiva, que mantenha-se, em regime de plantão, o atendimento dos Conselhos Tutelares, possibilitando o encaminhamento aos serviços nos órgãos do Executivo e Judiciário, e que sejam garantidas pelo Município a provisão dos recursos necessários para o trabalho remoto (internet e equipamentos) e para garantir os protocolos de segurança recomendados pelos órgãos sanitários”;
CONSIDERANDO que é atribuição do Ministério Público expedir recomendações, visando a melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover (art. 75, IV, da Lei Complementar Estadual nº 11/1996 e art. 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/1993);
RESOLVE
RECOMENDAR aos Municípios de Glória, Paulo Afonso e Santa Brígida, nas pessoas dos titulares da Secretaria de Assistência Social:
1. Que seja assegurado o ininterrupto funcionamento dos Conselhos Tutelares, seja através da modalidade de teletrabalho, seja na forma de rodízio, assegurando o atendimento presencial de casos urgentes, de modo a resguardar o caráter contínuo e colegiado da atuação do Conselho Tutelar, sem descuidar das medidas de proteção da saúde de seus membros, dos servidores de apoio administrativo e do público usuário dos serviços, conforme recomendações das autoridades sanitárias;
2. Que seja afastado do trabalho presencial o conselheiro tutelar com idade acima de 60 anos, gestantes, portadores de sintomas de gripe ou com doenças crônicas que compõem risco de aumento de mortalidade por COVID-19 (hipertensão, diabetes, problemas cardíacos, pulmonares, renais e hepáticos, doenças autoimunes e pessoas que fazem uso crônico de medicamentos que diminuem a imunidade), assegurando-lhe a execução do trabalho à distância, salvo se acometido de doença que importe no afastamento das atividades laborativas, comprovada por atestado médico, hipótese em que deverá ser providenciada a imediata substituição por membro suplente;
3. Que sejam adotadas medidas preventivas no âmbito do órgão, visando a redução dos riscos de contaminação e propagação da COVID-19, assegurando o fornecimento dos itens regulares de limpeza e higiene, além de álcool em gel a 70%, máscaras de uso pessoal e descartável, luvas e outros insumos da mesma natureza, conforme recomendações das autoridades de saúde, para os casos que demandarem atendimento presencial;
4. Que seja viabilizada a efetiva utilização pelos conselheiros tutelares das ferramentas tecnológicas necessárias para a realização de trabalho remoto, garantindo a regularidade das solicitações e requisições de serviços por meios virtuais, bem como a participação por videoconferência em reuniões, cumprindo a periodicidade prevista no regimento interno do órgão, de modo a assegurar a integração das atividades entre os conselheiros e destes com os demais órgãos da rede de proteção;
5. Que seja assegurada a regularidade do apoio administrativo, do fornecimento de veículo, telefones móveis, internet, uso de correios eletrônicos, dentre outras medidas necessárias ao efetivo desempenho das atividades dos conselheiros tutelares;
6. Que seja divulgado entre os membros do Conselho Tutelar os fluxos definidos pela rede local, notadamente nas áreas de assistência social e saúde, para atendimento de demandas da população no período de emergência de saúde pública, em especial junto ao CRAS, CREAS, Central de Vagas de Acolhimento, Serviço Especial de Abordagem Social (SEAS), Serviço de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual, Central de Regulação de Vagas na Saúde, Equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), Vigilância Epidemiológica, dentre outros, de modo a assegurar que não haja prejuízo no pronto atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social ou vítimas de violações de direitos;
7. Que seja conferida ampla publicidade na comunidade, sem prejuízo da afixação de avisos na própria sede do Conselho Tutelar, bem como a direta comunicação aos órgãos integrantes do Sistema de Garantia de Diretos, acerca do funcionamento dos Conselhos Tutelares no período de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, divulgando o regime de trabalho, os números de telefone e endereços eletrônicos para contato, orientando a população a respeito do atendimento na forma presencial, assegurado para casos emergenciais, devendo ser evitada, em qualquer situação, a aglomeração de pessoas.
Expeça-se notificação, instruída com a presente recomendação, aos titulares da Secretaria Municipal de Assistência Social, que deverão, no prazo de 5 (cinco) dias a partir do seu recebimento, encaminhar ao Ministério Público pela via eletrônica indicada, as informações e documentos hábeis a demonstrar a adoção de providências para o seu cumprimento, a fim de instruir o procedimento instaurado no âmbito deste órgão ministerial.
Se necessário, o Ministério Público adotará as medidas judiciais cabíveis para assegurar o fiel cumprimento da presente recomendação, sem prejuízo da apuração de eventual responsabilidade daquele cuja ação ou omissão resultar na violação dos direitos de crianças e adolescentes (art. 201, VIII e X, da Lei nº 8.069/90).
Dê-se ciência da presente recomendação à Juíza de Direito titular da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Paulo Afonso, aos prefeitos municipais, aos secretários municipais de saúde aos presidentes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança – CMDCA, aos membros dos conselhos tutelares e ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e Juventude – CAOCA.
Registre-se no sistema IDEA e publique-se no Diário da Justiça Eletrônico.
Paulo Afonso, 27 de março de 2020.
ASSINADO ELETRONICAMENTE
Moacir Silva do Nascimento Júnior
Promotor de Justiça