O Brasil pode enfrentar um retrocesso significativo no combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, que tramita no Congresso Nacional, tem gerado preocupação entre os policiais rodoviários federais. Em jogo está não apenas a mudança de nome da corporação, mas também a limitação de suas atribuições investigativas, justamente quando o país enfrenta uma escalada nas atividades criminosas interestaduais.
“A PRF é a polícia que mais apreende drogas no país. Imagine termos que enfrentar uma burocracia ainda maior para realizar levantamentos de inteligência dentro da nossa própria área de atuação?”, questiona Tácio Melo, presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), em entrevista recente.
Pontos controversos da proposta
A PEC, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública sob comando de Ricardo Lewandowski, propõe duas mudanças que têm gerado resistência entre os policiais rodoviários federais: a alteração do nome da corporação para “Polícia Viária Federal” e a restrição de suas atribuições investigativas.
Embora a proposta amplie a atuação da PRF para ferrovias e hidrovias federais, ela também limita suas funções ao policiamento ostensivo, retirando atribuições relacionadas a investigações criminais, que passariam a ser exclusivas da Polícia Federal e das Polícias Civis.
“Nós não somos contrários à PEC. A mudança na segurança pública é necessária. De 1988 para cá, o perfil do crime organizado no país mudou muito. Mas somos contrários a algumas propostas que afetam a PRF”, explica Melo.
Impactos no combate ao crime organizado
Especialistas e representantes da categoria alertam que as restrições podem comprometer a eficiência no combate ao crime organizado, especialmente em regiões de fronteira. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, onde há mais de 1.500 km de fronteira seca com Paraguai e Bolívia – importantes rotas de drogas – a limitação das atribuições da PRF poderia criar lacunas operacionais.
O texto da PEC deixa claro que “a Polícia Viária Federal, no desempenho de suas atribuições, não exercerá funções próprias das polícias judiciárias nem procederá à apuração de infrações penais”. Após pressão da categoria, o ministro Lewandowski incluiu uma ressalva: “assegurada, na forma da lei, a atividade de inteligência que lhe é própria”.
Avanços e conquistas recentes
A preocupação dos policiais rodoviários federais tem fundamento. Há exatamente dois anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por unanimidade, um decreto que concedeu à PRF competência para lavrar Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs) em crimes federais de menor potencial ofensivo.
Esta decisão, que representou um avanço na atuação da corporação, poderia ser comprometida com as novas restrições propostas na PEC. Na prática, a lavra de TCOs pela PRF agiliza o trabalho policial, evitando deslocamentos desnecessários até delegacias, especialmente em regiões remotas do país.
Mobilização e articulação política
Diante da possibilidade de aprovação das mudanças, a categoria busca apoio de outras autoridades do governo federal. Os agentes públicos tentam audiência com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais do Brasil, Gleisi Hoffmann, e com o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
“Também estamos mobilizando o Congresso Nacional para sensibilizar as bancadas estaduais sobre os riscos desses dispositivos na PEC. Somos favoráveis a atuar em ferrovias e hidrovias, temos expertise para isso. Mas não podemos aceitar essas restrições que enfraquecem a PRF no combate às facções criminosas no país”, reforça Melo.
A PEC da Segurança Pública deve ser enviada ao Congresso Nacional nas próximas semanas, onde enfrentará análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser votada em dois turnos no plenário.