Diferentes opiniões têm sido manifestadas na audiência pública realizada nesta segunda-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a oferta do ensino religioso nas escolas públicas. Há quem defenda o modelo confessional, ligado a uma religião específica. Outros querem um formato não confessional, mais ligado a conteúdos históricos e filosóficos. Para algumas das entidades e especialistas ouvidos, nem deveria existir aulas de religião nas escolas.
Provocado por uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo terá de decidir a legalidade da oferta confessional do ensino religioso nas escolas, dada a laicidade do Estado. A ação questiona trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do acordo feito entre Brasil e Santa Sé, em 2010, que prevê, entre outras coisas, o ensino confessional nas escolas.
Representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Antonio Carlos Biscaia defendeu o ensino religioso nas escolas públicas na modalidade confessional e a constitucionalidade do acordo entre Brasil e Santa Sé.
— O acordo nada mais é do que a manifestação de uma das religiosidades que tem lugar em nosso país, a católica, dentro dos parâmetros legais e constitucionais, tal como é franqueado e permitido a qualquer outra denominação religiosa — afirmou Biscaia.
Para dar conta da diversidade religiosa do Brasil, Biscaia mencionou o exemplo do Rio de Janeiro, que, segundo ele, já selecionou por concurso público 342 professores católicos, 132 evangélicos e 26 de outros credos. O representante da CNBB na audiência no STF afirmou que o modelo não traz riscos de proselitismo ou doutrinamento nas escolas.
— O ensino religioso como disciplina da educação religiosa, como área do conhecimento estabelecido, tem metodologia, linguagem e características adequadas a sua função pedagógica no ambiente escolar, que é diferente da paróquia — defendeu Biscaia.
Contra o ensino religioso
Já o membro da Federação Espírita Brasileira (FEB), Alvaro Chrispino, afirmou ser contrário à existência do ensino religioso nas escolas públicas. Mesma opinião foi expressada pelo representante da Convenção Nacional das Assembleias de Deus (Conamad), Ivan Bonfim da Silva.
Silva defendeu que a educação religiosa, “quer seja confessional ou não confessional”, deve ficar a cargo dos templos, agremiações e demais entidades que trabalham o tema.
Para Chrispino, da FEB, é necessário garantir que, não sendo possível extrair definitivamente o ensino religioso das escolas, que ele seja ofertado na forma não confessional.
— Na modalidade não confessional, caberia o estudo da moral, da ética, dos valores universais que pautam as relações humanas, baseadas no bem e na paz — destacou Chrispino.
Essa abordagem mais ampla também é defendida por Eduardo Deschamps, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). Segundo ele, apesar de o Estado ser laico, é inegável que a religião está presente em grande parte da vida das pessoas.
Por isso, defende o dirigente da entidade, que é secretário de Educação de Santa Catarina, não cabe simplesmente ao Estado deixar de ofertar o ensino religioso. Mas é preciso, na avaliação de Deschamps, evitar o proselitismo em sala de aula, adotando o modelo não confessional.
— Já existem curso de formação de professores de ensino religioso, em instituições públicas e privadas, em pelo menos cinco estados do país. É uma formação em ciências da religião, para termos um modelo adequado — afirmou Deschamps.
O representante da Liga Humanista Secular, Thiago Gomes Viana, destacou que a “única forma aceitável” de ensino religioso nas escolas é a modalidade não confessional. Ele relatou casos de discriminação sofrida por ateus e alunos de outras crenças em aulas de religião carregadas de doutrinação.
— O satanismo e a religião da maconha, recentemente criada, poderão ser veiculadas para nossa crianças nas escolas? Se outros credos podem, esses também poderiam — provocou Thiago.
A audiência pública no Supremo Tribunal Federal começou pela manhã e deve ser prolongar até o início da noite. Ao todo, há 31 entidades ou especialistas em áreas como educação ou ética inscritos para fazer suas apresentações. O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADI impetrada pela PGR sobre o ensino religioso nas escolas públicas, preside a sessão.
Fonte: O globo