Uma decisão do Supremo Tribunal Federal mudou o rumo do debate sobre linguagem neutra no Brasil. Em poucos minutos, leis municipais que proibiam o uso desse tipo de linguagem em escolas e órgãos públicos foram invalidadas. O que motivou o STF a agir agora? E como essa decisão afeta o dia a dia de estudantes, professores e servidores?
O STF formou maioria, em julgamento virtual encerrado nesta semana, para declarar inconstitucionais leis de municípios de Minas Gerais e Rio Grande do Sul que proibiam o uso e o ensino da linguagem neutra em instituições de ensino e no serviço público. A Corte entendeu que legislar sobre normas da Língua Portuguesa é competência exclusiva da União, não cabendo a estados ou municípios criar regras próprias sobre o tema.
“A competência para legislar sobre normas da Língua Portuguesa é privativa da União. O objetivo é garantir uniformidade normativa, respeitando a competência do governo federal”, destacou o ministro André Mendonça, relator do caso, em seu voto.
A decisão do STF foi unânime em alguns casos, como o da lei de Uberlândia (MG), aprovada em 2022, que proibia o uso de “linguagem neutra” e “dialeto não binário” em escolas públicas e privadas. A relatora, ministra Cármen Lúcia, ressaltou que a lei municipal interferiu de forma indevida no currículo pedagógico, violando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei federal 9.394/1996) e a liberdade de expressão.
“O ensino da língua portuguesa é obrigatório e abrange o conhecimento de formas diversas de expressão. Cabe à União regulá-lo, para garantir homogeneidade em todo o país”, afirmou Cármen Lúcia.
A decisão foi provocada por ações da Aliança Nacional LGBTI+ e da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, que questionaram leis municipais e estaduais em diferentes regiões do país. Segundo levantamento, pelo menos 18 ações semelhantes tramitam no STF atualmente.
O julgamento também trouxe divergências. O ministro Cristiano Zanin defendeu que municípios têm autonomia para decidir o conteúdo pedagógico de suas escolas, desde que respeitadas as diretrizes nacionais. Ele considerou constitucionais dispositivos que garantem o ensino da língua portuguesa conforme o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e a gramática oficial, mas votou contra a punição de professores e alunos pelo uso de formas alternativas de linguagem.
“A educação deve seguir o VOLP e a gramática definida pela reforma ortográfica ratificada pela CPLP”, argumentou Zanin, acompanhado pelo ministro Nunes Marques .
Mas, afinal, o que é linguagem neutra? Segundo o linguista Luiz Carlos Schwindt, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trata-se de uma tentativa de uso inclusivo da Língua Portuguesa, buscando evitar termos com marcação de gênero. Estratégias comuns incluem o uso de “x” ou “@” para substituir vogais que indicam gênero, especialmente na comunicação escrita.
“Toda linguagem é impregnada de crenças, história pessoal e até estratificação social”, explicou Schwindt à CNN.
Confira os principais pontos da decisão do STF:
- Leis municipais e estaduais que proíbem linguagem neutra em escolas e serviços públicos foram consideradas inconstitucionais.
- Apenas a União pode legislar sobre normas da Língua Portuguesa e diretrizes da educação.
- A decisão vale para todo o território nacional e pode impactar outras ações semelhantes em tramitação.
- O ensino da língua portuguesa deve respeitar a liberdade de expressão e a diversidade de formas de comunicação.
Com a decisão do STF, municípios e estados ficam impedidos de criar ou manter leis que restrinjam o uso da linguagem neutra em escolas e órgãos públicos. A Corte reforçou que cabe à União definir as normas gerais sobre educação e ensino, garantindo uniformidade e respeito à liberdade de expressão em todo o país.